Wagner Rodrigues Silva 
é doutor em Linguística Aplicada e docente na Universidade Federal do Tocantins (UFT), Câmpus de Palmas.


A linguagem nos particulariza enquanto pessoas e nos acompanha nas situações cotidianas. Isso poderia ser suficiente para nos despertar o interesse pela compreensão da dinâmica dessa atividade. Comunicamo-nos quase que ininterruptamente em situações informais e, por vezes, em momentos formais, sendo que esses últimos são produzidos com maior cuidado pelos participantes da interação. É sobre a produção de linguagem em situações simples que passamos a problematizar uma questão importante e necessária no contexto da pandemia da Covid-19: referimo-nos ao sofrimento pela linguagem.

Há escolas que continuam trabalhando com uma concepção distorcida de linguagem, insistem com as conhecidas aulas de gramática com o propósito de levar os alunos a memorizarem nomenclaturas e definições de categorias linguísticas como substantivo, verbo e interjeição. Precisamos investir mais tempo em situações educativas que levem os alunos a trabalharem sobre a língua, a produzirem e experimentarem novos sentidos a partir de combinações de diferentes palavras. Mas, infelizmente, ao longo de todo o ensino básico, os alunos tendem a revisar as mesmas categorias gramaticais e, ao final, não conseguem utilizá-las com propriedade nas próprias produções escritas, que, por sua vez, tornam-se produto da reprodução de modelos garantidores da aprovação em processos seletivos.

As escolas deveriam nos ensinar que, além de pertencentes a diferentes categorias gramaticais, as palavras possibilitam a produção de diferentes sentidos quando selecionadas e utilizadas pelas pessoas. Esses sentidos também são determinados pelas situações de uso ou de comunicação. Como não conhecemos plenamente as pessoas com as quais interagimos, os sentidos produzidos por elas, para as nossas falas ou escritos, podem nos escapar. 

É exatamente nesses sentidos que pode se esconder o sofrimento. Os solitários dias com Covid-19 foram sofridos e poderiam ter sido diferentes se as pessoas exercessem mais a empatia nos diálogos, especialmente quando o interlocutor está acometido por uma doença que já ceifou mais de 460 mil vidas brasileiras, tragédia também provocada por incompetência e irresponsabilidade de lideranças políticas deste país. 

A interjeição não é simplesmente “uma palavra ou locução que exprime um estado emotivo” ou “uma espécie de grito com que traduzimos de modo vivo nossas emoções”. Nessas definições, esqueceram-se dos interlocutores, ou seja, das pessoas que recebem essas falas, pois as interjeições também provocam emoções. Além de expressar o sentimento das pessoas diante da nossa condição de saúde, o Nossa! Eita! Caramba! e Vixe! provocaram-nos medo, sofrimento e demonstraram falta de sensibilidade por parte dos seus produtores. Essas palavras nos provocaram palpitações e a ansiedade parecia nos sufocar. 

Como compreenderá uma pessoa acometida pela Covid-19 a informação compartilhada de que o Fulano, o Beltrano e o Sicrano, antigos conhecidos, estão internados ou foram as últimas vítimas da Covid-19? O detentor dessa informação poderia não a transformar em notícia para o interlocutor debilitado porque, certamente, o contexto não é oportuno e os sentidos produzidos poderão gerar mais sofrimento evitável.

Finalmente, reiteramos que a linguagem produzida é fruto das nossas escolhas linguísticas ou gramaticais nem sempre conscientes. A linguagem não apenas produz sentidos, funciona como uma espécie de ferramenta com a qual agimos sobre os outros, provoca reações nas pessoas e os resultados podem ser inesperados e, até mesmo, desagradáveis. Controlar os sentidos é impossível, mas ainda assim podemos demonstrar empatia com os enfermos, ao cuidarmos das nossas produções de linguagem!