Salatiel Soares Correia
é engenheiro, Bacharel em Administração de Empresas, Mestre em Ciências pela Unicamp. É autor, entre outros livros, de a Energia na Região do Agronegócio.
 
O Brasil dos anos de 1950 produziu um tipo de intelectual cuja atuação foi decisiva para o entendimento do país e seu desenvolvimento. Bastante atuantes nessa época, eles se aglutinaram em numa instituição que se tornou célebre na história política brasileira: o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB).
 
Esse órgão ligado ao Ministério da Educação foi constituído, em 1955, pelo governo do presidente Juscelino Kubitschek.  O ISEB aglutinou grandes intérpretes do Brasil. Pessoas do quilate do cientista social Hélio Jaguaribe, do sociólogo Guerreiro Ramos, do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos e do crítico literário Antônio Candido estão entre os isebianos que fizeram dessa instituição uma verdadeira usina de ideias. O ISEB reuniu a intelligentsia brasileira que iluminou os caminhos da era JK. 
 
O artigo que ora desenvolvo intenciona homenagear a história de vida de um maranhense de Mirador, isebiano, que se tornou uma das vozes mais respeitadas do Brasil.  Sua inteligência – viva e brilhante –, expressa em livros absolutamente inovadores para a época, ajudou a consolidar os estudos de uma ciência que ainda engatinhava no Brasil ‒ a Economia. Falo de Ignácio Rangel, o único economista cujas obras se ombreiam com a de outro gigante que, como ele, ajudou a entender as amarras do subdesenvolvimento brasileiro. Falo do economista Celso Furtado. Posto isso, revivamos um pouco da história de vida desse grande pensador.
 
Podemos definir esse intérprete do Brasil como um pensador tipicamente de Estado. Iniciou sua carreira pública como assessor econômico do ex-presidente Getúlio Vargas. Posteriormente, Rangel entrou, por concurso público, na mais meritocrática instituição do Estado brasileiro dos anos de 1950: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico ‒ BNDE (hoje BNDES).
 
Sua inquietude intelectual foi o combustível que o levou a publicar obras inéditas que se tornaram leitura obrigatória para aqueles que desejam entender as amarras do subdesenvolvimento do país.
 
Em 1954, Rangel publicou o inédito “Desenvolvimento Econômico do Brasil”, escrito em espanhol, para o curso de capacitação econômica da Comissão Econômica da América Latina (CEPAL). Os livros seguintes desse mestre do pensamento econômico do Brasil — “A Dualidade Básica” (1957) e a “Inflação Brasileira” (1963) — foram obras decisivas para a consolidação desse filho de Mirador como um dos grandes intérpretes do Brasil.
 
O ex-ministro Bresser Pereira, discípulo e admirador de Ignácio Rangel, define o modelo rangeliano de avaliação da realidade brasileira como complexo e altamente histórico. Para ele, “[o modelo] mostra como toda história do país fora caracterizada por dois polos, um interno e outro externo, que se sucediam e se alternavam no tempo”. 
 
O golpe militar de 1964 e um enfarte interromperam a brilhante carreira de Ignácio Rangel. Quando todos acreditavam que esse miradorense terminaria sua carreira no ostracismo, eis que ele surge com uma previsão baseada na teoria das ondas longas de Kondratieff. A previsão, pouco considerada naqueles tempos de euforia do milagre brasileiro, era de que o país enfrentaria uma grave crise no curto prazo. O profeta estava absolutamente certo, pois, em 1973, o país teve de enfrentar a primeira grande crise do petróleo. O grande guerreiro continuou atuante até os anos de 1980. Escreveu na Folha de São Paulo até bem próximo de sua morte, ocorrida aos 82 anos. 
 
Atualmente, suas obras vêm sendo constantemente reeditadas. Inúmeros seminários estão sendo realizados nos quatro cantos do país, reverenciando o inegável legado deixado por Ignácio Rangel para o estudo do desenvolvimento brasileiro. O filho mais ilustre de Mirador foi, sem lugar a dúvidas, um dos maiores intérpretes do Brasil moderno. Mais que um intelectual, Ignácio Rangel se notabilizou por ser, acima de tudo, um profeta.