Um dos mais profundos temas do discurso filosófico e sociológico da história da humanidade, e não menos problemático, é a natureza da política. Toda ação humana esteve e está profundamente marcada pela política. A exemplo disso, podemos citar as diversas manifestações das culturas: egípcia, judaica, assíria, babilônica, persa, grega, romana, latina e modernas e suas formas de governos. Nenhuma escapa dos olhos da política.

No atual momento da sociedade brasileira, a campanha eleitoral/2022, parece-nos que a questão ainda não se encontra bem resolvida, pois é notável a falta de uma substancial distinção e clareza entre o que é a política como forma de vida e a política partidária. O que diferencia uma da outra é o que nos leva a emitir, formular algumas ideias sobre essa diferença, bem como agir a partir do que pensamos sobre uma e outra.

É muito comum ver e ouvir as pessoas discutindo questões partidárias e não questões políticas. Este texto quer convocar os leitores a uma reflexão sobre Política, com “P” para diferenciar do que vulgarmente chamamos de “política”. Vale lembrar que refletir é o ato de retornar, de voltar, rever, revisar, interrogar-se e não o ato de curvar-se diante do outro. Este gesto é próprio do escravo diante de seu senhor. De já, a reflexão é uma ação do sujeito que, conscientemente, é capaz de fazer uma autocritica. Assim, a reflexão é algo como que a expressão kantiana “sapēre aude” ou, numa linguagem foucaultiana, ter a “coragem da verdade”. 

A Política a qual nos referimos diverge da política em sentido vulgar. A Política é uma forma de vida coletiva, portanto, democrática em seu princípio. Mas a política no senso comum expressa a ideia de partido, uma concepção centrada nos interesses particulares. Como forma de vida coletiva, a Política é, por natureza, a arte da civilidade, do respeito, do direito, do dever ser, do agir bem, da ética, da responsabilidade social. Dessa forma, ela exige de cada um de nós uma relação humanizadora, quer sejamos negros, brancos, indígenas, homens, mulheres, gays, lésbicas, transsexuais, jovem, adulto, idoso, casado ou solteiro, não importa. O que importa à Política é a humanização, a condição de que todos, todas, tod@s sejam considerados iguais.

A igualdade como direito não significa ser o mesmo que outro. A mesmice é a negação do outro como ser diferente. Não somos objetos de produção em série para sermos todos o mesmo. A igualdade de direitos requer que todos sejam acolhidos em suas diferenças e diversidades, mas há quem diga que isso é impossível de viver. Evidentemente isso parece mesmo impossível, visto que a ótica com que olhamos o mundo é uma visão profundamente marcada pelas desigualdades entre os seres humanos e sobre isso vale lembrar que desigualdades é algo contrário à diferença. Somos todos únicos, diferentes, mas não podemos ser desiguais. Para sermos Políticos, com “P”, precisamos estar em constante formação. 

A formação não é processo de aprendizagem com inicio, meio e fim. Ela se dá ao longo da vida, nas relações estabelecidas entre os seres humanos com outros seres e o mundo. Ela é um projeto de desenvolvimento, de aperfeiçoamento do humano que há em nós. Por isso, a necessidade de um Estado estético que seja capaz de dar, de distribuir o que se recolhe de forma igualitária que supere todas as formas desigualdades. Ele é um estado de coisas e não coisas de um Estado. Ele é uma forma de vida que se configura na partilha do sensível, na condição mesma de juntar e distribuir segundo um critério de igualdade e de comunidade. O tipo ideal de sujeito desse Estado é o artista. O artista, diferentemente do João-de-barro, cria e recria o mundo. A arte, neste sentido, é produção, trans-formação, ou seja, é ir além de uma forma única, fechada, linear, estática e obsoleta. 

O Político não é aquele que representa o Estado, mas aquele que, vivendo em e na comunidade, se organiza para que todos os outros possam frequentar com os mesmos direitos e deveres as instituições públicas, como a escola, o hospital, entre outros organismos do Estado e ser respeitado em sua dignidade humana. O Estado estético não coaduna com a cooptação de votos, não estimula a violência, nem a fome, nem a criminalidade, etc. Nele, o recolhido é distribuído de forma igualitária como fundos para a educação, a saúde, a moradia, a alimentação, a segurança, o lazer, entre outras necessidades humanas, e não direcionado à guerra, ao armamento bélico, à violência e a quem tudo tem.

No Estado estético a igualdade é o princípio regulador e tudo que foge a essa norma é definitivamente antipolítico, não democrático, desigual e ameaçador da vida do outro. Mas esse Estado não é construído de cima para baixo ou vice-versa. Ele é e só pode ser instituído na coletividade, na relação, no debate intenso e respeitoso das diferenças e diversidades humanas.

Jairo Barbosa Moreira
é doutor em Educação pela Universidade Federal de Goiás, e presbítero da Diocese de Cristalândia-TO. E-mail: Jbmoreira2005@hotmail.com