Elaine Jesus Alves
Doutora e pós-doutora em Ciências da Educação pela Universidade do Minho, Braga PT. Pós-doutorado em Comunicação e Sociedade pela Universidade Federal do Tocantins. Autora do livro Por que não consigo ensinar com tecnologias nas minhas aulas disponível para download gratuito no site da editora FI. 
 
Há cerca de 30 anos a internet começou a ser introduzida nas escolas brasileiras. A princípio os computadores foram inseridos nas escolas e reservados em laboratórios de informática em que apenas técnicos e professores eram permitidos adentrar. Assim, o computador domesticado pelos rituais escolares atendia a uma demanda de pesquisa e comunicação entre professores e seus pares. 
 
Passados 30 anos, houve um considerável progresso no campo de estudos nessa área e as tecnologias não são mais um assunto novo na seara acadêmica. O mundo avançou da tecnologia básica dos computadores de mesa com capacidade de memória diminuta para pequenos smartphones com recursos antes nunca imaginados nos anos de 1990, além de internet de alta velocidade disponível em redes wifi.
 
Ora, devido ao avanço das tecnologias seria razoável imaginar que estas já sejam pervasivas, e com seu alcance - 51% da população mundial tem acesso à internet, era de se esperar que nas escolas a tecnologia não fosse um corpo estranho, algo que incomoda ou distrai a aprendizagem.
 
O que aconteceu no meio do caminho destes 30 anos em que a internet no campo educativo parecia tão promissora?
 
A priori precisamos analisar com que objetivo a tecnologia foi introduzida nas escolas, então poderemos entender o atual cenário. Assim como o quadro negro, outras tecnologias não digitais foram inseridas na escola como ferramentas para o professor ensinar. Vide o exemplo do retroprojetor de transparências, do mimeógrafo, e de outros artefatos produzidos com a função de auxiliar o professor a reproduzir e ministrar o seu conteúdo.
 
Com a chegada do computador e da internet na escola, o objetivo continuou o mesmo: uma ferramenta para auxiliar o professor a ensinar. Como manter o controle do ensino nas mãos do professor? Colocando estes computadores num lugar em que os alunos têm acesso apenas quando o professor está presente - o laboratório de informática. Quem não se lembra da aula no laboratório de informática em que podíamos fuçar naquelas máquinas estranhas? Pois não era comum ter um computador em casa nos anos de 1990. 
 
Até um certo tempo esta estratégia de controle funcionou bem nas escolas. O computador servia ao interesse da transmissão de conteúdos sob o olhar vigilante do professor. 
 
Entretanto, algo mudou no curso da história: os dispositivos móveis com uso de internet ficaram mais baratos e por sua vez mais acessíveis saindo dos laboratórios de informática para as mãos dos estudantes.  As tecnologias agora não são mais ferramentas para o professor ensinar, mas dispositivos coletivos e colaborativos que facilitam a construção de aprendizagem do aluno.  
 
Onde fica o professor nesse novo cenário? De detentor do conhecimento para facilitador, mentor e orientador. As informações estão disponíveis na rede. Mas nem todas são confiáveis ou têm credibilidade. A função do professor passa a ser de ajudar os estudantes a acessar, selecionar, analisar criticamente, sintetizar, compartilhar com outros e construir conhecimentos coletivos a partir das descobertas.
 
Mas o que ocorre na prática, inclusive agora neste momento de pandemia e aulas presenciais suspensas em que o professor foi forçado a dar aulas online?
 
O professor ainda quer usar a tecnologia como ferramenta de ensinar. Insiste na lógica das aulas com exposição de conteúdos com atividades avaliativas no final. O que se discutiu em congressos, periódicos, grupos de pesquisa sobre como as tecnologias podem mediar a aprendizagem ficou no papel. Em 30 dias de aulas online, o chamado ensino remoto, vimos a angústia dos professores em relação ao despreparo de transpor para o online o que faziam no presencial.
 
Mas é justamente este o erro: enquanto insistirem nessa transposição, o ensino remoto tenderá a ser um fracasso. Abrir uma aula em web conferência e manter os alunos 3 horas numa aula expositivas é torturante para o professor e os alunos. Cobrar dos alunos a realização de inúmeras atividades extensas e solitárias pode ser estressante e nada produtivo.
 
Mas tudo isso já foi discutido recentemente em lives no Instagram e Facebook. Na prática, como você -  professor pode tirar proveito de todo o potencial que os dispositivos digitais coletivos e colaborativos podem oferecer?
 
Primeiramente sua aula não precisa ser uma maçante exposição de conteúdos. Se for necessário realizar uma web conferência com seus alunos, pesquise também vídeos interativos, simulações, museus virtuais e outros conteúdos disponíveis na internet para incrementar sua aula. Se for preciso gravar uma vídeo aula, procure fazer aulas curtas com objetivos de aprendizagens concretos e proponha atividades que envolvam pesquisa e busca do conhecimento.
 
Ao propor avaliações, pense em atividades coletivas. As tecnologias permitem que mesmo distantes possamos trabalhar em regime colaborativo. Desafie os alunos a produzirem um texto coletivo, e-portfólio, infográfico, ou vídeo que trabalhe um determinado problema, relacionado ao tema da aula. Pode-se usar o Google Drive para estas atividades de produção de texto coletivo e para criação de portfólios digitais pode-se usar o Padlet (mural virtual). O aplicativo Kahoot é uma boa alternativa para criação de quizzes e desafios que são parecidos com jogos e pode ser interessante para alguns públicos, como jovens e crianças. O envolvimento em atividades deste formato colaborativo e coletivo que vai proporcionar experiências de aprendizagens muito mais ricas que apenas ouvindo três horas de aula expositiva.
 
Para concluir este artigo, parabenizamos a todos os professores que estão se esforçando e oferecendo o melhor de si na modalidade de ensino remoto. Estamos todos a aprender com este momento, e sem dúvidas nos últimos 30 dias tivemos muito mais experiências nesta área do que nos últimos 30 anos de tecnologias nas escolas. Aprendemos com esta pandemia que as tecnologias só poderão atender as demandas educacionais se forem reconhecidas como dispositivos que facilitam a interação e o trabalho colaborativo dentro de um desenho didático que estimule a pesquisa, a autonomia   e  o engajamento dos alunos, para além da transposição de conteúdos numa plataforma virtual. Que estas aprendizagens, mesmo que sem ensaio e no improviso faça-nos refletir que em qualquer modalidade, seja presencial ou a distância, o papel do professor é indispensável e fundamental.