Eduardo Simões
Professor doutor em Filosofia
 
Em um artigo da Internet, assinado por Martel Alexandre del Colle, policial militar do Paraná, intitulado “A maioria dos militares não tem a menor ideia do que seja comunismo”, o autor diz ter encontrado em sua rede social um post de um oficial, contemporâneo seu na escola de oficiais, dizendo: “Parabéns ao Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra que teve a coragem de fazer o necessário para nos livrar do comunismo!”. Junto ao comentário, segundo o autor, havia “um mar de policiais militares elogiando o oficial, elogiando Ustra, elogiando a tortura e as execuções”. Essa foi a oportunidade para ele perguntar aos colegas envolvidos na discussão: “Alguém aqui pode me explicar o que é comunismo?” E a resposta dada por um deles foi estarrecedora: “Comunismo é uma ferramenta do diabo para destruir a família”. Não irei me ater ao desenrolar da conversa e nem sobre a conclusão do autor a respeito do fato de que a maioria dos militares não tem a menor ideia do que seja comunismo – o texto é fácil de ser encontrado na Internet. Entretanto, penso que não só os citados no artigo não sabem o que é comunismo, como a maioria da nossa população não tem a menor ideia do que se trata. O que é, então, comunismo?
 
Não há um caminho fácil para explicar o que é comunismo em um espaço limitado como esse, dado as controversas que envolvem o tema, fruto da não diferenciação entre o comunismo – enquanto teoria – e as características do socialismo instaurado depois da Revolução Russa de 1917 – tratam-se de duas coisas absolutamente diferentes. A formalização teórica do comunismo nasce da angústia que acompanhava Karl Marx, desde as obras de sua juventude, por ver a impossibilidade da sociedade de sua época realizar-se integralmente dentro de um quadro de exploração capitalista. O trabalho não representava prazer, ao contrário, era um jugo. A maioria dos trabalhadores, além de não gozar do fruto do trabalho, não era dona do capital. Esse era apropriado pelo capitalista, por meio da produção de mais-valia (diferença existente entre o salário pago e o valor que o operário efetivamente acumula à mercadoria) à custa do suor do trabalhador. 
 
Marx, então, fará uma análise histórica e científica para compreender o estado de coisas a que chegou o homem, assumindo como viés de investigação o materialismo (todos os fenômenos são resultados das interações materiais). Ele parte da dialética de Hegel, da economia política inglesa e do movimento socialista anterior (socialismo utópico) para descobrir que o conflito entre as classes era o motor da história. Dessa forma, conclui que a contradição da aristocracia feudal, por exemplo, era a própria burguesia e que a contradição da burguesia, necessariamente, haveria de ser a ascensão da classe operária ao poder. 
 
Como se sabe, historicamente, a burguesia tornou-se detentora do poder econômico: dona do capital e dos meios de produção, exploradora do proletariado e do seu trabalho de onde extrai o lucro, influenciadora do funcionamento do mercado e definidora das normas da economia e coordenadora dos destinos de todos aqueles que economicamente dela dependem. Por outro lado, ela também é detentora do poder político, pois se faz presente em todas as esferas do poder, defendendo os seus interesses e legislando em causa própria. O Estado, entidade abstrata, nada mais é do que a incorporação dos interesses da burguesia que o controla e o coordena nas direções do seu favorecimento – o Brasil sabe muito bem como isso funciona! Por fim, e sem esgotar o raio de sua atuação, a burguesia detém também o controle do aparato ideológico, pois é ela quem coordena o funcionamento dos meios de comunicação de massa que são verdadeiras máquinas da promoção da sua imagem, bem como servem aos interesses da construção e desconstrução das verdades que lhe são convenientes. É essa burguesia que, segundo Cazuza, “fede”. “Enquanto houver burguesia, não vai haver poesia”.
 
Para Marx, entretanto, a burguesia cria a sua própria contradição e essa é a classe operária. Será o lucro capitalista, baseado sobre a exploração da mais-valia do trabalhador, que levará à morte do capitalismo. O proletariado, nesse contexto, não deve esperar pelo fim inevitável do capitalismo. Ele deve assumir o protagonismo da sua derrota por meio da revolução e se preparar para as forças reacionárias da burguesia. É justamente a revolução que abrirá as portas para uma verdadeira democracia do proletariado, cuja escolha infeliz da expressão para a designar, feita por Marx, foi de “ditadura do proletariado”. Resta, portanto, explicar que a tal “ditadura do proletariado” não é mais do que um regime político, controlado pela maioria da população, que funciona como um instrumento de passagem para o comunismo e que visa extirpar de vez os resquícios da influência burguesa. O socialismo representa justamente essa ponte de ligação entre a antiga e nova ordem, isto é, o elo de passagem do capitalismo para o comunismo. E o comunismo será o último estágio do desenvolvimento histórico da sociedade humana.
 
E, como se caracteriza o comunismo nessa nova sociedade? A sociedade comunista seria uma sociedade não mais dividida em classes, o Estado não mais existiria, todos os homens seriam iguais e poderiam desenvolver suas potencialidades, não existiria a opressão do capitalismo burguês, as decisões sobre o que produzir seriam tomadas democraticamente, os meios de produção seriam bens coletivos, não existiria a propriedade privada do capital, pois tudo seria comum a todos. Dessa forma, “em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos, surge uma associação onde o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos” (K. Marx e F. Engels, Manifesto do Partido Comunista, 1948). Isso assusta ou não assusta o burguês, detentor do capital? Perder os privilégios?! Isso é um absurdo! 
 
Marx e Engels, entretanto, não deram uma receita com o passo a passo sobre como o comunismo iria funcionar como um sistema econômico. São as experiências históricas de tentativas implementação do comunismo, via socialismo, em um terço da extensão territorial mundial, que nos dão o caráter prático sobre tal possibilidade. E são justamente tentativas infelizes, como a do caso da Rússia dos tempos da autocracia de Josef Stalin, que dão munição para ataques de toda ordem contra a teoria comunista. E quem está por trás desses ataques? Quem os patrocina? Não é mais que a burguesia! Assumindo uma postura reacionária, ela lança mão do aparato ideológico que lhe pertence para veicular “verdades” do tipo “o comunismo é ferramenta do diabo para destruir a família”, dado o medo que tem de perder o poder e a influência. Investe, portanto, em propagandas difamatórias contra o comunismo, sob o pretexto de que a ele está associado a todo tipo de subversão, violência, totalitarismo e heresia. Por outro lado, campanhas como essas servem também para justificar a implantação de regimes autoritários como aquele que aconteceu no Brasil com o golpe militar de 1964, que dizia ter como fim último o “combate à corrupção” e ao “comunismo”, mas que, descobriu-se, fora patrocinado por interesses burgueses corporificados no Estado americano, que objetivava tornar o Brasil ainda mais capacho e dependente da política econômica de Washington. 
 
Se a luta anticomunista burguesa se mantém viva e tenta incutir na mente da população os “perigos” do comunismo, isso se deve ao fato de que o discurso acerca da força revolucionária dos trabalhadores (se os trabalhadores quiserem eles param a máquina! Vejam os efeitos de uma greve de caminhoneiros, por exemplo), da urgência da justiça e da igualdade e do fim da exploração capitalista, é muito incômodo aos ouvidos dos burgueses que, desde sempre, governam esse país. E se assim o é, antes mesmo de avaliar pejorativamente o comunismo, ou qualquer outra teoria que propõe a quebra da opressão sócio-político-econômico-social, é bom que eu me pergunte sobre “o que” ou “quem” pode estar por trás dos argumentos que eu, inadvertidamente e sem a tomada de consciência, estou utilizando. O que é inconcebível, nesse contexto, é a inculcação ideológica de “verdades” na população que chegam ao absurdo de classificar crimes como os do Carlos Alberto Brilhante Ustra como atos de heroísmo, sob a justificativa de que ele estava “fazendo o necessário para nos livrar do comunismo”. 
 
Como uma educação de qualidade faz falta ao nosso povo!