Nos últimos tempos, no Brasil, muito se tem debatido sobre fascismo. Essa temática ganhou força nas redes sociais e é objeto de ataque e contra-ataque de pessoas que fazem oposição ou que apoiam o atual presidente da República. Movimentos antifascistas surgem e fazem o enfrentamento ao novo nacionalismo conservador que se instaura nas diversas camadas sociais, parecendo se configurar como uma nova variante do fascismo. Mas, afinal, o que é fascismo?
 
O termo, fascismo vem do latim fasces, que na expressão fasces lictoris, refere-se a um símbolo usado pelo Império Romano, associado ao poder e à autoridade. Esse símbolo, trata-se de um feixe de varas amarradas em volta de um machado que representava o poder dos magistrados romanos em flagelar e decapitar os cidadãos desviantes. Ele foi utilizado como insígnia do Partido Nacional Fascista de Benito Mussolini, cujos seguidores passaram a se chamar fascistas. 
 
O fascismo é um movimento político e ideológico de extrema-direita, de feição ultranacionalista e autoritária, que teve a sua origem na Itália, na década de 1920, capitaneado por Mussolini. É preciso salientar, entretanto, que o que as pessoas tratam por fascismo não tem significado e características homogêneas. Desse modo, a forma como o fascismo se configurou na Itália é diferente da forma como o mesmo se configurou, por exemplo, na Alemanha nazista de Adolf Hitler. Mesmo assim, muitas de suas características se repetem, possibilitando que se determine se um dado regime se configura como fascista ou não. 
 
No geral, o fascismo se define pelo uso de algumas estratégias políticas de persuasão e domínio, como: apego a um passado mítico, irrealismo, nacionalismo extremo, antiliberalíssimo político, propaganda ideológica, anti-intelectualismo, vitimização, desumanização de segmentos populacionais, obsessão pelas noções de lei e de ordem, ansiedade sexual. Pela afirmação da existência dessas características em determinado governo é possível inferir seu viés fascista, mesmo diante da comum insistência do líder em negar sua filiação. 
 
Sobre o apego ao passado mítico, o fascista tende a divinizar um passado distante, numa espécie de saudosismo sem fim, primando por torná-lo protótipo de tudo o que é bom, correto, justo e exemplar. Dessa forma, fixa-se em uma espécie de devaneio e irrealidade que o faz voltar sempre a um suposto modelo de nação, de família, de religião, de organização social que deve ser resgatado a qualquer custo dentro de uma sociedade cujo liberalismo infectou e fez apodrecer os nobres valores dos seus ancestrais. Em virtude da necessidade desse resgate, o fascista geralmente tem apoio da classe religiosa – nomeadamente retrógrada, alienada e acrítica – que, juntamente com ele, compactua do saudosismo das tradições de um passado que já não é mais aceito e que, provavelmente, jamais retornará. Compactuando desse conservadorismo acrítico, o fascista coloca-se como um antiliberal político, pois não coaduna com os ideais de liberdade e de igualdade instituídos na sociedade liberal, visto que os mesmos afrontam as tradições patriarcais dos antepassados, bem como o modelo mitológico de nação que se pretende resgatar. É por isso que todo fascista é autoritário: persegue os oponentes, confisca os direitos individuais, legisla em causa própria, usa do aparelho repressivo do Estado para incitar o terror, sob a pretensão escancarada de se perpetuar no poder. 
 
Num discurso de 1922, no Congresso Fascista em Nápoles, Mussolini declarou: “Nós criamos o nosso mito. O mito é uma fé, uma paixão. Não é necessário que ele seja uma realidade... Nosso mito é a nação, nosso mito é a grandeza da nação! E a esse mito, essa grandeza, que queremos transformar numa realidade total, subordinamos tudo” (GRIFFIN, 1995). Vê-se aqui manifesto uma realidade do fascismo – “nosso mito é a nação” – e adianta-se os seus consequentes desdobramentos. Primeiro, em virtude dessa crença, o fascista conclama culto à nação, isto é, ao nacionalismo cego: incentiva a vestimenta das cores oficiais da nação, o culto à bandeira, a entoação do hino nacional, a adoração dos símbolos da pátria e, com isso, cria na população o ideal de lutar e morrer pelo país, amando-o acima de tudo. “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”. Se o Brasil está acima de tudo. Logo, está acima de Deus, inclusive. A Deus é dada uma colocação de menor importância, pois está somente acima de todos, isto é, dos simples mortais da nação. É importante salientar que o fascista detesta da denominação “Estado”, já que essa geralmente está associada à noção de Estado de Direito. Em substituição, prefere o uso do termo “nação”, uma vez que essa pode ser subjugada à autoridade pessoal do líder fascista: “quem manda sou eu!”. 
 
Esse culto à nação redunda, em segundo lugar, no culto ao líder que é a corporificação do ideal de nação, por isso, o povo deve reconhecê-lo publicamente como “mito”. E, se assim o é, em terceiro lugar, ele deve ser permanentemente protegido pelos seus partidários, uma vez que sofre “ataques”, por todos os lados, daqueles que “não querem o deixar governar”. Dessa forma, ele se vitimiza e procura, a todo momento, jogar a população contra os seus supostos perseguidores: a imprensa, o Legislativo, o Judiciário, as universidades, os sindicatos, as ONGs e os intelectuais, que são sempre taxados de marxistas – aliás, o “marxismo cultural” é o grande bicho-papão do fascista. Colocando-se como vítima dos golpistas, o fascista fomenta uma prática divisionista que dicotomiza a sociedade entre o “nós” e o “eles”, não suportando conviver com uma realidade plural: ou você é a favor ou é contra e, “aos amigos, tudo; aos inimigos, os rigores da lei”.  A consequência disso, em quarto lugar, é o investimento massivo do governo fascista em propaganda ideológica, muitas das vezes, sustentada na base das “Fake News”. Ele investe o dinheiro público na promoção e defesa da sua imagem, patrocinando disseminadores de falsidades, bem como comprando parte da mídia dita “séria”, a fim de que ela faça a “propaganda positiva” do governo, granjeando, com isso, credibilidade ante ao seu público-alvo. 
 
Por não conseguir conviver com a pluralidade social e nem com a pluralidade intelectual, o fascista se acampa também em duas outras frentes de batalha: primeiro, coloca-se contra grupos que não representam o seu ideal de nação, isto é, contra os grupos que estão à margem do protótipo de sociedade por ele idealizado, a saber, os negros, os imigrantes, os LGBT, os indígenas, os quilombolas, etc. O fascismo constitui um verdadeiro projeto de desumanizar tais seguimentos sociais, excluindo-os de vez das políticas de Estado. E, “ao excluir esses grupos, limita a capacidade de empatia entre outros cidadãos, levando à justificação do tratamento desumano, da repressão da liberdade, da prisão em massa e da expulsão, até, em casos extremos, o extermínio generalizado” (STANLEY, 2018). Certo é que tais segmentos representam uma ameaça à supremacia fascista branca que costuma taxar essas minorias de preguiçosos, parasitas e aproveitadores das riquezas produzidas pela casta dos escolhidos. O que se vê no fascista é uma espécie de ansiedade sexual, onde os “verdadeiros membros da nação” têm medo do reconhecimento igualitário dos grupos minoritários, que podem, segundo sua crença, minar o nacionalismo, geralmente de feição branca e religião cristã. É por isso que, até as mulheres, no sistema fascista sofrem de discriminação quando se percebe a sua ascensão e destaque social. Para o supremacista branco fascista o nascimento de uma mulher na prole do genitor, por exemplo, é sinal de “fraqueza”; trata-se de um indicativo de que ele deu uma “fraquejada”. 
 
Na outra frente de batalha, o fascista se coloca contra a intelectualidade nacional, pois, na sua acepção, o que vale é cultivar na população a ignorância e o medo constante dos “inimigos” que tomarão o poder e farão a nação retroceder à barbárie. Para atingir o seu fim, o fascista investe no ataque à ciência (no negacionismo científico) e às universidades (promovendo o seu mais amplo desmantelamento para que não gerem conhecimento), bem como na ruína de todo o sistema educacional nacional, substituindo pelo “estado de irrealidade, em que as teorias da conspiração e as notícias falsas tomam lugar do debate fundamentado” (STANLEY, 2018). Para isso, o sistema educacional militar é um bom aliado. 
 
Outra característica do fascista é ser obcecado pelas noções de lei e ordem. Em virtude disso, investe pesadamente no aparelhamento e valorização das forças armadas, visto que é adorador de uma cultura belicosa onde a arma, mais do que um objeto de morte, torna-se uma espécie de troféu a ser ostentado pela cultura do “Macho Man”. Para o fascista, é o investimento no aparelhamento bélico da nação e dos Estados que garantirá a ordem social, mesmo que o efeito seja a violência policial daqueles que clamam pelo “excludente de ilicitude”, ou melhor, pela licença para matar. Essa cultura, sob o olhar do fascista, está ligada à cultura patriarcal da proteção dos membros da família. O líder fascista, tal como o patriarca das antigas sociedades, tem a obrigação religiosa de “proteger” a sua nação e, para isso, é obrigado investir no aparelhamento e culto das suas forças militares com o fito em manter e expandir os seus próprios poderes. Em virtude disso, cerca-se de todos os lados por militares, pois que estes se tratam das únicas pessoas confiáveis nesse de regime político. 
 
Por fim, conforme se disse, o que se vê no fascista é uma espécie de ansiedade sexual, onde a afirmação da masculinidade se dá pela preocupação com os itens supramencionados. É em virtude disso, que o psicanalista Wilhelm Reich, em seu livro, Psicologia de Massas do Fascismo, preferiu, antes mesmo de analisar o fascismo do ponto de vista sociológico, analisá-lo sob a justificativa de que ele se trata da expressão da estrutura irracional do caráter do homem médio, cujo comportamento se baseia nos anseios orgásticos não satisfeitos. Se a teoria de Reich está certa ou errada não queremos fazer esse julgamento. Entretanto, sobre uma coisa ele parece ter razão: quando olhamos para a história da maioria dos líderes fascistas, percebemos claramente que “a mentalidade fascista é a mentalidade do ‘Zé ninguém’, que é subjugado, sedento de autoridade e, ao mesmo tempo, revoltado (...). O fascista é o segundo sargento do exército gigantesco da nossa civilização industrial gravemente doente” (REICH, 1972). E ele representa a doença social!