Luiz Armando Costa

No ex-Norte de Goiás, dizia-se daquele com dificuldade de cognição e locomoção que era “quarta-feira”. Uma época em que o preconceito, ainda que fosse inato pela tradição cultural coronelista da região, fazia com que cada casa adotasse um “môco” ou “tolo”.  Hábito ou tradição suplantado pelo marco civilizatório.

Oferta de “mercadoria”, com efeito, era o que não faltava num setentrião onde os quilombolas eram escravos, a fome e a falta de vacinas e remédios travavam o crescimento e o raciocínio e os pardos e brancos, mesmo convivendo em igual miserê, abastavam-se da genealogia para laçar negros em Arraias, Campos Belos, Natividade, Conceição, Cangas, Pindorama, Ponte Alta, Jalapão e Carmo. Mandavam os filhos para as escolas e os negros para o pilão.           

Não se conta as vezes em que havia resistência a essa adoção forçada onde a inexistência de ação de Estado era, certo modo, preenchida pela igreja católica. Ao tolo, diante das circunstâncias, bastava um prato de comida. E tudo seguia igual como se não estivesse numa exploração humana.

Em Porto Nacional, os padres dominicanos (junto com a população) ergueram no final do século XIX a icônica abade da cidade e a nomearam Catedral Nossa Senhora das Mercês, considerada a padroeira da libertação dos escravos. Não é por acaso que assim se chama e também não é obra do destino as pedras cangas que lhes dão sustentação.

Decorridos 127 anos dos mercedários, o Estado é informado hoje que fazendeiros e presidentes de sindicatos rurais programam para esta quarta-feira um movimento “quarta-feira”, retardatário das manifestações contra a democracia promovidas no 7 de setembro. Ou seja, os “quarta-feira” de uma forma ou de outra chegam.

Diferente dos “quarta-feira” do Norte, ingênuos e fácil de serem enganados (os sulistas os tratavam como "indolentes”), os modernos “quarta-feira” não perderam a oportunidade de realçar seu coronelismo numa região (Bico do Papagaio) que tem o pior IDH e o maior indicador de pobreza absoluta do país. Apostam no isolamento da região para ignorar o fiasco político da mobilização de ontem e suas consequências.

São representantes e caudatários de um setor que exportou no Estado de janeiro a agosto de 2021 um total de R$ 7,144 bilhões pagando 3% de imposto estadual (e zero federal) quando a maioria da população paga 25% no combustível, energia, água e comida nos supermercados.

Só os produtores de carne comercializaram para o exterior no mesmo período um total e R$ 1,3 bilhões, com os mesmos benefícios fiscais. Um crescimento da ordem de 20% comparado o mesmo período de 2020. Enquanto o consumidor via diminuir seu poder de compra com reajuste da carne nos últimos oito anos de 409%. A gasolina aumentou de preço no mesmo período 1.094%, gás (134%), arroz (1000%) e feijão (3.721%).

Defensores de uma pátria sem alma. Os verdadeiros “quarta-feira”.