No curso da história hegemônica ocidental, a figura materna ocupou diferentes papéis, até ser idealizada como nos dias de hoje.

Principal responsável pela saúde e desenvolvimento do rebento nos anos iniciais e pelo sucesso na fase adulta, a mãe é transmutada da figura da Virgem Maria, por seus sacrifícios e dedicação, na personagem da malévola alienadora, quando ocorre o rompimento da relação amorosa com o pai da criança.

Na sociedade brasileira, criar filhos ainda é uma tarefa atribuída comumente às mães. Apesar disso, diariamente as mulheres lutam pela consolidação do paradigma que iguala homens e mulheres no âmbito da autoridade familiar.

Ainda que existam exceções, nos casos em que os casais se separam, na maioria das vezes as crianças e adolescentes residem com as mães e convivem com os pais nos finais de semanas alternados. Tanto é assim que cerca de 6% das crianças que nascem no País não têm o nome do pai no registro (Arpen Brasil, 2020) e 11 milhões de mulheres criam seus filhos sozinhas no Brasil (Instituto Locomotiva, 2020).

Além disso, em situações de crises sociais, como a intensificada pela pandemia do Coronavírus, que retirou as crianças das escolas e do convívio comunitário, as mães são especialmente afetadas pela perda de emprego, pela informalidade dos vínculos trabalhistas e até mesmo pela má-gestão do auxílio emergencial por parte do Governo Federal. 

Nesse cenário de ausências e sobrecargas, uma das consequências é o crescente número de famílias em disputas judiciais pela guarda dos filhos, pela obrigação alimentar (que não se resume à comida) e pelo direito de convívio com eles.

Ora as mães entram em juízo para chamar os pais à responsabilidade constitucional de assistir, criar e educar os filhos de forma igualitária, ora os genitores interpelam as mães para ampliar o convívio e/ou interferir na forma como a criança é criada.

Em qualquer um dos cenários se mostra corriqueira a acusação de que a mãe promove alienação parental, mediante a ‘programação’ de sentimentos e reações nos filhos que resultariam no enfraquecimento dos vínculos afetivos entre a criança e o pai.

Este tipo de acusação pode justificar a modificação da guarda, a alteração da moradia, a ampliação do convívio com o suposto alienado, advertência e multa, tudo conforme a Lei nº 12.318/2010. 

De maneira direta a lei de alienação parental não faz distinção entre mães e pais. Ambos podem vir a ser acusados de alienação parental. No entanto, o que se observa em encontros e fóruns de discussões é a sua utilização para controlar o exercício da maternidade e a autonomia feminina.

No imaginário das mães que criam os filhos sem a presença paterna no lar, o medo de vir a ser acusada formalmente de alienação parental e sofrer as penalidades legais trabalha tal qual a imagem bíblica do leão que anda ao redor da presa aguardando para atacar.

Evidentemente que o êxito dessa estratégia de amedrontamento depende da conjugação de múltiplos aspectos pessoais e sociais. A idealização de que a maternidade completa a mulher, por isso todo sacrifício e apagamento de si é justificado e esperado, é um deles. A imagem de que as mulheres são temperamentais, rancorosas e utilizam os filhos para atacar o ex-parceiro é outro.

A colocação das mães nesses dois locais resulta em verdadeiras batalhas judiciais em que o tão propagado instinto materno é substituído pela figura da vingadora descontrolada, incapaz de se renunciar pelo bem-estar da prole. No campo das disputas judiciais, a firmeza materna não é lida como qualidade, e sim como desequilíbrio. Somente a abnegação materna é premiada. O que se vê amiúde é a tentativa de enquadramento da maternidade no formato delineado por uma estrutura estabelecida de poderes, sob pena de punição pelo Estado. Quanto aos pais basta ajudar a sustentar, conforme as suas possibilidades.