Este texto é sobre um embate instaurado em um atendimento de urgência hospitalar. Numa tarde calorosa, interrompi o fluxo da minha pesada rotina de trabalho acadêmico, sempre atravessada por outros papéis exercidos, e passei por uma consulta médica programada. Refiro-me a uma consulta rotineira com um cardiologista. Para minha surpresa, uma alteração em minha pressão arterial foi diagnosticada. 

Sem recomendação do especialista diante do diagnóstico, fui à universidade e ministrei minhas aulas noturnas. Esforço-me para motivar os futuros professores a estudarem, mesmo sabendo do exaustivo dia de trabalho enfrentado por eles. Às vezes, o contexto adverso da formação inicial de professores altera meu ânimo, mesmo consciente da resistência necessária. No retorno para casa, verifiquei minha pressão com um aparelho doméstico pouco confiável e observei uma alteração, mesmo sem manifestação sintomática. 

Diante da dúvida, preferi não arriscar e procurei uma urgência hospitalar ao final da noite. A pressão arterial estava normal, mas uma arena inesperada se instalou na consulta. Ao ser questionado se eu tinha me contrariado, respondi afirmativamente e até comentei que me estressei nas aulas ministradas, pois os acadêmicos não estavam estudando suficientemente. Ao me perguntar em que curso eu leciono, o médico comentou que esse comportamento discente era normal e que era herança deixada pelo Partido dos Trabalhadores (PT). 

Naquele momento, minha resistência precisava ser forte na proporção da força do adversário. Não poderia deixar o consultório sem responder ao comentário leviano. Sob pressão, esperei a consulta ser finalizada e, finalmente, o doutor se levantou diante do médico e afirmou: “a herança do PT foi o filho de uma cabelereira pobre e nordestina estudar em universidades públicas e cursar mestrado, doutorado, fazer pós-doutorado fora do Brasil e, hoje, ser um docente em uma universidade federal. Meus alunos têm dificuldade para estudar porque são pobres e precisam trabalhar dois turnos antes de irem à universidade. Muitos frequentaram escolas com ensino precário, mas eu trabalho para ajudá-los no que eles precisarem!”.

Alguns questionamentos são inevitáveis para os leitores críticos refletirem! Por que há médico que insiste em não reconhecer contribuições da gestão petista? Por que há médico que não compreende as dificuldades enfrentadas pelos estudantes pobres nas universidades públicas? O que justifica o menosprezo de um médico ao curso de formação inicial de professores?

Não se pode admitir o saudosismo da universidade elitizada, que deixa fora dos cursos mais concorridos, a exemplo do Bacharelado em Medicina, os egressos das escolas públicas. As políticas de inclusão no ensino superior precisam ser fortalecidas. Ao ingressarem nas universidades, é necessário dar plenas condições para os acadêmicos estudarem e superarem as fragilidades remanescentes do ensino básico. Os cursos de formação inicial de professores precisam ser valorizados e bem cuidados pelos gestores públicos.

A vida traz desafios constantes e é necessário ser forte para enfrentá-los diariamente. Nesse sentido, tenho resistido e lutado com bravura na arena da educação, porque tenho consciência da transformação proporcionada pela educação em minha vida e, a meus alunos, podem ser oportunizadas experiências semelhantes.

Finalmente, encerro com um agradecimento compartilhado no meu memorial descritivo para promoção ao nível de Professor Titular, que defenderei ainda este semestre na universidade, quando pretendo alcançar o maior nível na carreira acadêmica: “À gestão do governo federal petista durante minha formação, pelos investimentos na educação e na ciência brasileira, sem os quais dificilmente me tornaria docente e servidor federal!”.

Wagner Rodrigues Silva
é Doutor em Linguística Aplicada e docente na Universidade Federal do Tocantins (UFT), Câmpus de Palmas.