Luiz Armando Costa
 
Para enfrentar as irracionalidades destes dias, costumo não esquecer da febre tifóide que ocupa meus fantasmas do subconsciente. Num raciocínio ligeiro, considerando simplesmente a relação de causa e consequência, seria, eu, de modo simplista, produto do (ou da) tifo. No CID (Código Internacional de Doenças) o código A01.0.
 
A febre tifo está relacionada às condições precárias de saneamento. Dias atrás foi aprovado no Senado o marco do saneamento no país. Um negócio de estimados R$ 700 bilhões de investimentos até 2033.
 
No Brasil, 101 milhões de pessoas (de um total de 209 milhões) não tem acesso a esgoto (Instituto Trata Brasil/7 de julho/2020). No Tocantins a privatização não deu certo: estão aí os casos da Odebrecht Saneatins e seus esqueletos deixados no armário. Hoje apenas 36% da população tem acesso a saneamento (IBGE/2019). Manaus (AM) – uma das maiores tragédias da Covid no país - e o Tocantins estão (julho/2020) abaixo da média nacional.
 
Mas retomando o fio condutor da tifo: não fora ela, a “maledita”, que eliminou praticamente toda sua família no interior da Bahia (Formosa do Rio Preto, alí pertinho da divisa Piauí/Bahia/Tocantins, na cabeceira do rio Sapão), meu pai não teria colocado a “cachorra” nas costas e enfrentado a pés, dias a fio, a serra da garganta e aportado em Peixe.
 
E depois Porto Nacional por qualquer coisa que os afastasse, ele, dois primos e uma irmã, da fome e da morte que dizimaram pais, tios e a criação no rancho Vereda, ás margens do rio Preto que abastece o rio Grande e que cai no São Francisco. Era enterrando um pela manhã e outro à tarde, ainda hoje conta Augusto.
 
Uma doença transmitida através da água e de alimentos contaminados. E que dava sangramento no intestino, septicemia e morte. Tudo isto perfeitamente evitável apenas com medidas simples de higiene. E, depois, vacina.
 
Meu pai completa 88 anos em setembro próximo. E vivo para ver o presidente da República confessar a jornalistas, sem máscara, que tem Covid-19. Ou seja: o CID U07.1 Entre os primeiros sintomas e a confirmação, participou de eventos sem máscara, foi às ruas e finalmente confirmou oficialmente o vírus. De forma que o que todo mundo faz quando tem a suspeita de estar contaminado, sua excelência negou, submetendo seus interlocutores à contaminação indefectível. Não sobreviveria à tifo.
 
O velho Augusto (que sobreviveu sem vacina e ação social dos governos da ditadura Vargas) à febre tifo, à malária, coqueluche e que tais, junto com sua companheira Emília (de 82 anos) não apresentaram sintomas de Covid mas submetem-se, há mais de 120 dias, a uma quarentena, distraindo-se com um radinho de pilha debaixo do pé de manga no quintal e longe de filhos, netos e bisnetos. Emília diz que é pobre, mas não é “mouquinha da lata” para não acreditar no vírus que já matou 65 mil pessoas no Brasil, 228 no Tocantins até ontem e cerca de 500 mil no planeta.
 
De outro modo, como Augusto, posso ter sido gerado, como tantos outros, pela febre tifo mas sigo as recomendações da Organização Mundial de Saúde para não ser eliminado pela febre “Covid”. Um vírus que já causou em quatro meses no país 65 mil mortes. O equivalente ao total de homicídios no Brasil nos doze meses de 2019. E no Tocantins, no mesmo período, 228 óbitos contra os 210 homicídios registrados e janeiro a julho. Ou seja, mais mortes “matadas” que “morridas” pela Covid.
 
Mas como disse o líder máximo do país: “esse vírus é como uma chuva”. O problema é o guarda-chuva que, como a tifo nas décadas de 40/50, não existe, dada a falta de vacinas lá como cá.