Ramiro Bavier
Um cidadão
 
Provavelmente nenhum/a candidato/a nestas eleições em Palmas vá tratar com você sobre Sísifo. Duvido que a grande maioria dos/as que já estão nas ruas e redes saiba, minimamente, do que se trata (e aqui me aproprio da impetuosidade e sarcasmo do mito grego). Depois, porque Sísifo jamais renderia votos. Imagina! Bobagem minha! Deixa o cara lá, condenado para todo o sempre. Serve como lição. E em época de pandemia, onde não se deve abraçar e apertar as mãos dos/as candidatos/as, melhor o distanciamento social que Sísifo, o rei de Corinto, personagem da mitologia grega, inspira.
 
Há alguns dias pensando no pleito de novembro (dias 15 e 29. Não devemos esquecer), me pego imaginando o roteiro deste personagem. Não encontrava razão para as intersecções. Por isso, resolvi escrever. A escrita me liberta e me aprisiona todos os dias. Talvez tenha em mim a marca da sentença de Sísifo. Rei condenado, para toda a eternidade, a erguer uma enorme pedra até o cume de uma montanha para, e quase chegando lá, ver a maldita rolar montanha abaixo para, depois, agarrar novamente a pedra e tentar colocá-la no alto da montanha de novo, e de novo, e de novo, para nunca conseguir. Malditos Tânatos, Hades, Hermes e toda aquela galerinha da época que tramou, no submundo dos mortos, sob a batuta de Zeus, essa sentença miserável.
 
Diz-se que Sísifo era conhecido por sua esperteza, habilidade, astúcia, poder de convencimento, traição, ajeitamentos. O cara que conseguiu enganar várias vezes a morte imagina o que não aprontou com os vivos. Sísifo fez, naquela Grécia antiga, o que muitos políticos contemporâneos, sobretudo nessas duas primeiras décadas do século XXI, fazem em suas campanhas eleitorais, por exemplo.
 
A diferença é que hoje têm que esconder seus sorrisos sem graça em máscaras. A covid anda solta e os/as candidatos/as precisam lembrar disso.
 
O que era astúcia e desobediência antes, hoje ganhou o nome de diplomacia e acordos. Hoje, não apenas um carrega a pedra, mas milhões de desiguais e excluídos/as. Se antes foi a fúria de Zeus que levou Sísifo ao inferno, hoje é a esquizofrênica tríade “Deus, Pátria e Família” que nos empurra para os abismos. E você, já parou para pensar que a personalidade de Sísifo pode estar, neste momento, saudando a personalidade de cada candidato/a aqui em Palmas? Fiquemos, a tempo, atentos.
 
Mas calma. Nem tudo é de todo mal. Imagine que esse trabalho – o de levar eternamente e sem sucesso a pedra lá pra cima – pode também ser revelador e estimulador. O que temos aprendido e desaprendido ao longo das últimas eleições? E olha que a campanha mal começou e já vejo pedras rolando. Precisamos aprender a largar essa pedra, esse fardo vazio, essa submissão sem sentido.
 
O velho não representa, necessariamente, o obsoleto, o ultrapassado; tão pouco o novo é antídoto ou solução para os muitos dos nossos históricos problemas. Novo, velho, verdade, mentira, real, imaginário são apenas construções sociais, dicotomias que só nos encabrestam.
 
Provoca-me reflexão, ainda, o que propõe o escritor Albert Camus (1913-1960) quando se refere ao Mito de Sísifo (Le Mythe de Sysyphe – Essai sur l’absurde. Tradução de Marcelo Consentino). Para Camus, o que interessa é a “volta”, a “pausa” que o mito faz ao retornar à planície para, novamente, erguer a pedra ao cume. É este intervalo o tempo da consciência. 
 
Isto serve como metáfora para compreendermos esses momentos de transformações – internas e externas – que estamos atravessando sob muita dor e sofrimento. Porque, confidenciando aqui, não sei como não chorar quando se sabe de mais de 146 mil mortes pela covid no Brasil e mais de 1 milhão no mundo. Se a gente não aprender e apreender algo neste intervalo, nesta pausa, provavelmente estaremos fadados ao infortúnio, à separação, à desesperança e à miséria.
 
Nestas eleições podemos, sim, traçar novos caminhos de diálogos, de respeito ao contraditório, sentir-se – ou não – representado/a por este/a ou aquele/a candidato/a, sem que para isso tenhamos que forjar consentimentos que nos violem.
 
Este é mais um retorno importante para deslocarmos nosso olhar, ouvir e dizer de diferentes formas e lugares aquilo que ainda nos aflige. E ninguém vai para o inferno se desobedecer os/as autointitulados/as porta-vozes da moral e dos bons costumes. Quem assim o faz talvez já esteja padecendo no inferno, não no de Sísifo, mas no seu próprio.
 
A pedra da consciência é grande. Sabemos. Mas ela pode ser libertadora também. O que proponho é acabar com essa ideia de votar neste/a ou naquele/a candidato/a porque ele/a me convenceu. Convencimento é algo doentio. É ranço colonizador. Não sejamos mais um peso, nem para Sísifo, nem para nós mesmos, nem para mais ninguém.
 
E quanto aos pedidores/as de votos, quero pelo menos durante o balançar de suas mãozinhas, muitas delas de rapina, sentir a passagem de Sísifo, o filho do vento. Sobre o vento podemos falar num segundo turno, durante nosso retorno.