Luiz Armando Costa
 
No portal das transparências do governo estadual ontem registravam-se despesas de R$ 3 milhões e 862 mil com ações culturais no Estado de janeiro até agosto deste ano. Significam 0,06% dos R$ 6,1 bilhões gastos pelo governo no período.
 
Detalhe: esse valor das ações culturais é contabilizado como indenizações e ressarcimento de verbas do Ministério da Cidadania, aplicados em pontos de cultura. Ou seja, ressarcidos. O dinheiro aplicado vai sair do Ministério. De verbas próprias do Estado, não há qualquer investimento. Zero.
 
Dito isto, não haveriam, certamente, razões ponderáveis para o malabarismo retórico empregado pelo Secretário da Indústria e Comércio (responsável pela agência que cuida das ações culturais da administração) eleger-se coordenador do Conselho de Políticas Culturais do Estado. Um conselho popular dos artistas.
 
Se como Secretário conseguiu destinar à cultura apenas seis centavos de cada R$ 100 aplicados pelo governo (e ainda assim recurso federal), obriga-se a demonstrar como o fará diferente, agora como não só representante do governo. Mais: como teria conseguido eleger-se pela categoria (e o perfil dos eleitores) com esse desempenho e o que credenciaria a mais.
Filosófica e politicamente, é como se, na práxis que expõe, trocasse de mãos (ou se apropriasse deles) os papéis de sujeito e objeto. Negando que na cultura, o objeto depende ou está constituído do próprio sujeito. Alheio à interferência do Estado na sua produção.
 
É como se captasse a coisa apenas sob a forma de objeto ou de contemplação. Um bibelô em mãos, um fetiche. Não concebendo a atividade humana cultural de modo subjetivo. Não deu certo na Alemanha de Goebbels como não dará no Brasil de Bolsonaro, onde se identificam as pegadas dessa tentativa primitiva de atrelar produção cultural a projetos ideológicos.
 
Aliás, ideologia que o Secretário, muito coerente, não se atém em demonstrar apenas nas ações de governo, mas nas redes sociais, como é público. E a arte é livre por natureza. A maneira como o Secretário é afetado a comandar o conselho por si só demonstraria suas intenções de uma imprecisão larga.
 
A decisão de eleger-se (sem o aval dos artistas e com tantas objeções), ainda que democrática, expõe o falseio da análise de percepção. Ele passa a exercer o papel de uma figura que não pertenceria ao fundo. E como se essa sensação objetivasse ser o próprio fundo e não apenas a figura sobre ele.
 
Ademais, fora o setor cultural o objetivo, o bom senso e a razão indicariam o contrário: a exclusão de um representante do governo no comando do conselho. Dado que governos se movem por políticas públicas sazonais, modificadas a cada quatro anos. E a arte está dentro de cada artista sem a necessidade de eleição. Intervenção permanente.
 
O governo tem tempo ainda para voltar atrás. A correr o risco de ser comparado ao fiasco nacional de cultuo de ideologias e crenças limitantes no trato da cultura. E, claro, receber de parte da sociedade o conceito de um governo arbitrário e retrógrado. 
 
Um paradoxo para um Estado criado a partir de uma luta por liberdade e independência dos coronéis goianos. E a partir de uma proposta de um tocantinense das barrancas do rio Araguaia. De outro modo: os tocantinenses não seriam defensores da liberdade apenas por serem produtos de uma luta libertária.