Eduardo Simões
Doutor e professor de Filosofia
 
Em pleno século XXI, mundo afora, vemos ressurgir o fenômeno do conservadorismo acompanhado de sua contraface econômico-liberal. Trata-se de um fenômeno que é histórico e que preconiza políticas econômicas liberais de apoio ao capitalismo, mas que mantém políticas conservadoras no que diz respeito à sociedade. 
 
Em sentido econômico, esse modelo defende a desregulamentação do Estado no que diz respeito às questões de mercado, à imagem do “Estado mínimo” – sem interferências no mercado, mas também sem compromissos sociais –, o livre mercado, as privatizações, a austeridade fiscal e o reforço do setor privado na economia. Estamos vivenciando exatamente esse modelo no Brasil!
 
Em termos sociais, os efeitos desse modelo são nefastos, pois sedimenta ainda mais as desigualdades, uma vez que fundamenta o entendimento das diferenças sociais sob um viés aristocrático. Viés esse, que explica a exclusão social pela regra da meritocracia sem, contudo, colocar em questão os privilégios de berço. Fixa-se apenas e unicamente na noção de que as liberdades individuais foram garantidas a todos e que, portanto, “cada um responde pelo que fez de si mesmo”. Essa é a forma mais rasa e irresponsável de se explicar a miséria e a exclusão social de uma nação!
 
Resta-nos, portanto, questionar: e o que isso tudo tem a ver com conservadorismo e negacionismo? Talvez o leitor não entenda, mas tudo isso está correlacionado. Há uma ideologia política de fundo que sustenta tudo isso e que é cognominada de “centro-direita” que, elevada ao grau máximo no espectro do direitismo, transmuta-se em “extrema-direita”. Tal ideologia geralmente é incorporada na figura do líder que a representa (um Presidente da República ou um Primeiro Ministro, por exemplo) e um dos seus principais sintomas é o “patriotismo exacerbado”. 
 
Não há nada de errado em “amar a pátria” e querer a exaltar, o que é equivocado é o uso dos símbolos que a representam para fazer frente à ataques, sejam às instituições legitimamente constituídas (Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional, por exemplo), sejam à imprensa, sejam aos opositores, sejam à sociedade civil que não concorda com a ideologia instituída – o que geralmente é comum em sociedades governadas por esse tipo de ideologia. Tal “patriotismo” representa uma afronta ao que há de mais salutar em uma sociedade democrática: a liberdade do seu povo. 
 
Outra caraterística importante do conservadorismo é que ele geralmente é religioso, no nosso caso, cristão. Só que o cristianismo que estamos vendo fazer frente ao movimento ideológico conservador no Brasil é uma espécie de cristianismo às avessas: um cristianismo que dogmatiza o ódio e endeusa líderes políticos que, de cristãos, não encontramos sequer vestígios remotos.
 
Mesmo assim, para esse grupo que parece sofrer de uma espécie de cegueira e amnésia coletivas, defender o capitalismo, incorporado na pessoa de quem o representa, é uma necessidade patriótica urgente. E, se preciso for, dá-se até a vida em defesa daqueles que foram os escolhidos de “deus”. Vimos algo assim ocorrer na Idade Média e não estamos distantes dessa realidade.
 
Associado ao radicalismo religioso encontra-se o “negacionismo generalizado”. Negacionismo, entretanto, daquilo que constitui fontes fundamentais do conhecimento. Negam-se a ciência, a filosofia, a sociologia, a história, as fontes legítimas de informações jornalísticas, as expressões artísticas, a cultura, o desenvolvimento cognitivo. Estamos ou não voltando à Idade Média?! Não levará tempo para vermos livros queimados nas ruas! Já vemos movimentos de defesa do terraplanismo, encontramos todos os dias enxurradas de fake news a respeito da efetividade das vacinas, testemunhamos ataques diários às universidades, visualizamos diariamente a negação da existência de uma pandemia que assola o país, observamos o afrontamento das atuais regras de isolamento social em nome do capital, assistimos movimentos pelo fechamento do STF e do Congresso Nacional e pelo retorno do período mais sombrio da nossa história recente que foi o da ditadura militar com manifestantes empunhando faixas e pedindo instituição de AI-5, testemunhamos agressões físicas e verbais contra a imprensa nacional e contra representantes da área de saúde que estão na linha de frente do combate ao corona vírus e estamos às voltas de movimentos contra as Humanidades e contra às Ciências Sociais Aplicadas. Isso é ou não é sinônimo de retrocesso aos tempos medievais?!
 
E o que pode ser uma justificativa ideológica de líderes políticos para esse estado de coisas? A resposta é: na medida em que o povo ignora a importância do conhecimento, da liberdade, da informação verdadeira, das artes, da cultura, da ciência, enfim, na medida em que o povo se torna ignorante – sob a roupagem de patriota, de ser religioso, de “cidadão de bem”, mas que é desinformado – e que a prioridade é pelo mercado e pelo consumo, o capitalismo estará fortalecido e o povo continuará sob o jugo da aristocracia que durante séculos governa esse país. No mais é só acreditar ideologicamente que o “Brasil está acima de tudo e que Deus está acima de todos” e aceitar o retrocesso cognitivo que nos é oferecido como contrapartida.