Luiz Armando Costa
 
O economista francês Thomas Piketty (O Capital no século XXI/Editora Intrínseca/tradução Monica Baugarten de Bolle) quando trata da dinâmica da relação capital/renda avalia que as diferenças entre o mundo do século XIX e o mundo do século XXI são menos evidentes do que parecem. Aqui, como lá, a riqueza é ligada à propriedade, terras e dívida pública. Sem influenciar, de forma mais consistente, na força de trabalho.
 
Nestes dias em que se vangloria da previsão otimista da safra 2019/2020 (5 milhões e 361 mil toneladas de grãos/a maior safra entre os Estado do Norte) e R$ 3 bilhões e 382 milhões de exportações do agronegócio (janeiro a maio de 2020) reforça-se o chavão de que a agropecuária seria a vocação do Estado. É um chamado que remonta à criação do Tocantins sem, no entanto, viabilizar-se como vocação. Ainda que a propaganda seja até espontânea tanto quanto fundada em elementos controversos. Mas que atrai investidores e investimentos bancários. Muitos subsidiados pela força de trabalho.
 
Os números, no entanto, dispensam explicações. A agropecuária é responsável (2017/último dado disponível) por apenas 13,5% do PIB (considerando o Valor Agregado da Economia, PIB sem os impostos/R$ 30,8 bilhões). Se consideramos somente a agricultura, cai mais um pouco a participação:6,4%. A indústria responde por 14% e o setor de serviços por 71%. Dados do IBGE/Secretaria da Fazenda.
 
Entende-se a narrativa. Dessa produção de grãos prevista para este ano (5,361 milhões de toneladas de grãos) pode-se inferir outra variante. Em dez anos (2010 a 2020), enquanto a área plantada crescia 140% (639 mil hectares/2010 – 1.528 milhão de ha/2020), a produção aumentava 184%. De outro modo, em dez anos a área plantada aumentou 2,3 vezes e a produção apenas 3 vezes. Significa que em larga medida a produção aumentou mais em função de aumento de áreas utilizadas do que pela produtividade. Perceptível a olho nu nas grandes plantações de soja que expulsam pastos, gado, arroz e feijão.
 
Retornando aqueles R$ 3 bilhões e 382 milhões das exportações de janeiro a maio deste ano e às 5 milhões de toneladas de grãos, a participação do setor considerado vocacional do Estado no desenvolvimento regional foi insignificante. Tomando janeiro a abril de 2020, a agricultura recolheu de ICMS (no quadrimestre) apenas R$ 4,3 milhões de imposto. 
 
Para se ter uma idéia do que isto significa: no mesmo período, a indústria recolheu R$ 156 milhões aos cofres públicos estaduais e o setor de comércio o montante de R$ 226 milhões. Ou seja: a agricultura contribuiu com o desenvolvimento do Estado com apenas 0,4% de toda arrecadação de ICMS de janeiro a abril. A indústria entrou com 15,9% e o comércio com 25%.
 
Voltando a Thomas Piketty, a propagação do agronegócio como vocação do Estado termina por encobrir o fato de que máquinas (propaganda e ação política) transformaram uma região de terras férteis, sol e chuva generosos, numa num arremedo quase feudal do século XIX. Grandes propriedades e plantações transformando-se no próprio capital em meio a mais de 600 mil desocupados da força de trabalho. E querendo perpetuar-se isto como uma vocação. Só se for para a miséria. Num Estado onde mais de 250 mil famílias tem renda domiciliar per capita de até um salário mínimo. Sendo que algo próximo de 60 mil delas, menos de um quarto do mínimo por mês.