Há pouco contei aqui que, a 14 de dezembro de 1968, dia seguinte ao Ato Institucional nº 5, oito coronéis do Exército marcharam pela Redação do Correio da Manhã, na Lapa, numa tentativa de atemorizar o jornal. A ditadura já vinha asfixiando o Correio mesmo antes do ato, cortando sua publicidade oficial, pressionando as agências de propaganda para não programá-lo nas campanhas de seus clientes e, por fim, depois de reduzi-lo aos anúncios classificados, explodindo uma bomba na loja que recolhia esses anúncios, na avenida Rio Branco.

Os coronéis deram o seu show e se retiraram, deixando os censores, que já estavam desde a véspera. E, com a agressão à liberdade de imprensa, começou também o ridículo.

No próprio dia 14, uma manchete na seção de esporte, "Brasil em crise enfrenta a Alemanha", referindo-se à crise pela qual passava a seleção brasileira, teve de ser alterada para "Brasil enfrenta a Alemanha hoje". Não adiantou, o jogo no Maracanã terminou 2 x 2. Outra manchete, esta da editoria internacional, "Governo censura a imprensa", também teve de ser mudada, embora o assunto se referisse à Grécia.

No jornal do dia 19, os censores cortaram a mensagem do papa Paulo 6º pelo Dia Mundial da Paz. No trecho em que o pontífice fazia referência aos "povos oprimidos", o "oprimidos" teve de ser suprimido. E, para mostrar que não temiam nem a justiça divina, proibiram um texto bíblico que um editor decidira encaixar no lugar de uma matéria censurada. O texto era simplesmente um discurso de Jesus Cristo, o Sermão da Montanha.

Talvez com razão. O discurso de Jesus tinha trechos que não se coadunavam com a ordem daqueles dias. Alguns deles: "Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus".