André Luiz Bentes
professor de Filosofia na Unitins
 
Quando um sábio chinês foi questionado a respeito da crise de 2008, ele respondeu por meio de uma alegoria: “quando um engenheiro constrói uma ponte que desmorona, ele tem de ser responsabilizado. Mas isso não ocorre com os profissionais do mercado financeiro. É porque aquele promete pontes, enquanto estes prometem sonhos”. 
 
Talvez a melhor contribuição que Marx, o economista, tenha dado ao mundo seja a sua análise extremamente precoce da transformação que estava ocorrendo no capitalismo, o qual dava ares de se tornar ‘Financeiro’. Para Marx, era evidente que a catástrofe seria cíclica e inevitável quando o dinheiro deixasse de cumprir o seu papel histórico de mediar a troca de valores, para tornar-se a própria mercadoria.
 
O sistema de crédito é a sublimação mais pura da escravidão feudal. Vamos ver: o período moderno coincide com o início das colonizações americanas, que acarretará no comércio de escravos africanos e propiciará as oportunidades mercantis que levarão ao nascimento da indústria. Uma característica fundamental do período histórico anterior a este, o feudal, era a ‘escravidão por dívida’. O servo tinha a autorização de produzir na terra do senhor em troca de uma porcentagem e com a obrigação de consumir exclusivamente os produtos da sua mercearia. Não tendo como pagar por tudo que consumia, prometia partes cada vez maiores da sua colheita, até não ter mais como pagar. A sua vida mesma pertencia agora ao senhor.
 
A partir da revolução industrial, a necessidade de expandir o mercado consumidor se impôs e com isso, e com o tempo, a escravidão também seria oficialmente extinta no mundo ocidental. Para poder consumir, todos deveriam receber salários, ou viver com essa expectativa, ainda que seja apenas para o mínimo: sobreviver. Mas a demanda de produção crescente exigia muito mais: para que o trabalhador pudesse consumir mais que o mínimo, todos precisavam de crédito.
 
Com o avanço do mundo digital, o capitalismo financeiro deu ainda outro passo: o dinheiro enquanto mercadoria hoje está disponível, para o ‘cidadão de bem’, em singelos aplicativos. O mercado de derivativos é muito mais simples do que o nome sugere: ele significa basicamente apostar na derrota de alguém. Genial, para a Era onde a única certeza é de que todos irão perder. Bem, quase todos.  Alguém ainda deverá ter arroz para vender. 
 
Talvez a pior contribuição de Marx, o profeta, para o mundo, tenha sido conceito de ‘luta de classes’. O vapor iluminista inebria pelo otimismo. Mas não é certo que haja avanços. O que a classe trabalhadora pode considerar como conquista, o patrão pode chamar de otimização. A concentração de renda é o império, e o território cabe na palma das (pouquíssimas e, cá entre nós, alvas) mãos. 
 
Mas, calma, esquerda. Eu não sou pessimista, só estou descrevendo a natureza, assim é a realidade. Não. Perdoem-me, é bobagem. Só tive uma noite ruim. O mundo nunca foi tão virtual e perfeito para lucrar com os sonhos. No entanto, somos nós que pagamos (patrocinamos mesmo) pelos pesadelos.