Roberto Lasserre
coordenador nacional do movimento Brasil sem Azar
E-mail: roberto_lasserre@hotmail.com

Está em pauta no Congresso Nacional o PL 442/1991, proposto pelo então deputado Renato Vianna (MDB-SC). O texto original era específico quanto à derrubada da proibição do Jogo do Bicho, entretanto, muitas outras ideias foram apensadas e o projeto agora é o Marco Regulatório dos Jogos, incluindo apostas online e cassinos.

Visando buscar informações, em dezembro de 2019, o deputado Leonardo Monteiro (PT-MG) fez um requerimento de audiência pública no Congresso (req 119/19), convidando diversos setores. Segundo ele, existem aspectos sociais, de saúde, religiosos e financeiros que precisam ser levados em consideração.

Um dos presentes foi o coordenador da Frente Parlamentar Mista pela aprovação do Marco Regulatório dos Jogos, deputado Bacelar (PODE-BA), que nas suas considerações finais afirmou que, segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS, a prevalência de pessoas com ludopatia (vício patológico em jogos) no mundo está apenas entre 0,2% e 0,3%.

Existem alguns problemas nessa declaração, a começar que a prevalência estimada vai de 0,1% a 6% da população e não a 0,3% como afirmado. Os dados são do trabalho “Epidemiologia e impacto do jogo patológico e outras ameaças relacionadas a apostas” (“The epidemiology and impact of gambling disorder and other gambling-related harm” no original), publicado em 2017.

Para nós, o que mais chama atenção na declaração é o desdém que Bacelar mostra ao mencionar esse índice, afirmando que o total de doentes é insignificante no debate da liberação. Se pegarmos o menor índice da estimativa da OMS (0,1%) e colocarmos na população brasileira (210 milhões de pessoas) são 210 mil pessoas com potencial para desenvolver compulsão patogênica por apostas.

Para efeito de comparação, segundo a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein (conhecida pelo Hospital Albert Einstein), a taxa de prevalência de esclerose múltipla é de 0,002%, sendo 40 mil doentes no Brasil – menos de ¼ dos possíveis ludopatas. Outra doença autoimune rara é a Miastenia Gravis, com prevalência de 0,03% segundo a OMS. No Brasil, se estima que haja 40 mil miastênicos, de acordo com o site da única empresa que fábrica o remédio de uso contínuo necessário para viver com a doença, o Mestinon.

Em outras palavras, o desdém do deputado Bacelar com os ludopatas que surgirão no Brasil equivale a dizer que podemos deixar de lado todos os brasileiros portadores de esclerose múltipla, mais todos os miastênicos e ainda sobra mais 100 mil doentes com outra patologia a serem jogados para escanteio. Isso se levarmos em conta só o índice de 0,1%.

Claro que não podemos ignorar nenhum paciente, não importa qual a prevalência da sua doença (se é rara ou comum), muito menos a sua letalidade. Na Constituição de 1988, Art. 196, lemos “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, mas quanto custa tratar um ludopata? Um estudo chamado “The Hidden Social Costs of Gambling”, feito pelo PhD. Earl L . Grinols, professor honorário de Economia da Universidade Baylor, localizada no Texas-EUA, responde essa pergunta: US$ 9.393 anuais por paciente. Se somarmos metade da menor prevalência numa estimativa bem otimista, são 100 mil pessoas a serem tratadas, ou seja, um custo anual de cerca de R$3,7 bilhões, uma soma nada desprezível.