Um anúncio nos nossos jornais proclama o sucesso de um leilão de imóveis em Portugal. Ou seja, para um brasileiro já não é preciso tomar um avião para comprar um apartamento, casa ou sala comercial em Lisboa. Pode fazê-lo daqui mesmo, pelo celular, e só embarcar para tomar posse da aquisição. Se, nos últimos anos, já fui à despedida de inúmeros amigos que enfrentaram duras formalidades para emigrar para a terrinha, imagino como não será agora, com todas as facilidades. Temo ser deixado aqui sozinho, encarregado de apagar a luz.

Morei em Lisboa, a trabalho, como editor-executivo de uma revista internacional, de janeiro de 1973 a setembro de 1975. Era outra Lisboa, outro Portugal. Quando cheguei, o país vivia sob uma ditadura de décadas. Havia uma guerra colonial em curso, já perdida, e os jornais sofriam uma censura ainda pior do que a nossa. No Brasil, filmes como "Último Tango em Paris" e "Laranja Mecânica" estavam proibidos, mas nada impedia que uma revista como a Manchete abrisse dez páginas em cores sobre eles. Em Portugal, a imprensa não podia sequer insinuar que eles existiam.

Éramos pouquíssimos brasileiros em Lisboa e quase todos nos conhecíamos. Não se ouviam línguas estrangeiras nas ruas. Não se viam jovens –os rapazes, na guerra; as moças, em casa. A população se vestia de preto ou cinza. Ninguém discutia política –não havia o que discutir. Coca-Cola, proibida pelo governo, só no contrabandista. O país, estagnado. Ninguém ouvira falar em 1968.

E, então, em 25 de abril de 1974, vieram os cravos. O regime de 48 anos ruiu. Talvez o maior dia da minha vida. A cidade saiu às ruas, a guerra acabou, os jovens voltaram. A inevitável instabilidade dos primeiros anos deu lugar a um país adulto, senhor de si, aberto ao mundo.

É natural que, hoje, tantos brasileiros queiram viver lá. É como voltar para a casa do pai. Só que um pai amigo, liberal, sacana.