O dia 18 de maio é reconhecido como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, data determinada oficialmente pela Lei 9.970/2000, em memória à menina Araceli Crespo, de 8 anos de idade, que foi sequestrada, violentada e assassinada em 18 de maio de 1973, no Espírito Santo.

A sociedade não suporta mais assistir tamanhos atos de violência contra crianças e adolescentes, os quais aumentam a cada dia, sendo possível apontar rapidamente os casos que mais repercutiram nos meios de comunicação no Brasil: o caso do menino Henry, morto recentemente no Rio de Janeiro, quando estava sob a proteção do vereador Jairinho e de sua mãe Monique Medeiros. Em janeiro deste ano, uma denúncia anônima levou a Polícia Militar de Campinas (SP) ao cárcere de um garoto de 11 anos que era acorrentado dentro de um tambor pela própria família. Ao ser libertado, a criança contou aos policiais que ficava sem água e sem alimento por longos períodos, o que resultou em desidratação e desnutrição. Passados menos de 30 dias, em fevereiro de 2021, policiais militares do 29° batalhão de São Paulo, acompanhados do Conselho Tutelar, localizaram uma criança de três anos também presa em um tambor no bairro do Itaim Paulista, Zona Leste da capital.

Em 2014 veio a público o caso do menino Bernardo, de 11 anos, morto pela madrasta Graciele Ugulini e por seu pai Leandro Boldrini. Não podemos deixar de mencionar o caso do garoto Joaquim, assassinado em 2013, quando estava na companhia do seu padrasto Guilherme Raymo Longo e sua mãe Natália Ponte, na cidade de Ribeirão Preto/SP. Um dos casos de maior repercussão foi da menina Isabella Nardoni, de 5 anos, assassinada em 2008 por seu pai, Alexandre Nardoni, e sua madrasta, Anna Carolina Jatobá, em São Paulo.

No ano passado (2020), segundo os dados do Disque 100, o Brasil alcançou o maior número de denúncias de violência contra a criança e o adolescente desde 2013. Foram 95.247 denúncias, ou seja, uma média de 260 novas denúncias por dia, segundo levantamento feito pela Globonews (1) , isso sem levar em conta a reconhecida subnotificação de casos, afinal, as vítimas têm dificuldade em romper o silêncio porque estão submissas ao poder de seus agressores.

Para piorar esse cenário, as creches e escolas estão fechadas em razão da pandemia, sendo certo que os professores devem, por lei, ser capacitados para identificar mudanças de comportamento que possam indicar que a criança está sofrendo maus-tratos. Exemplos desses sinais e sintomas são crianças que se tornam tristes, introvertidas, além de marcas pelo corpo que podem aparecer. 
Importante destacar que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente devem ser obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade. 

A violência contra crianças e adolescentes foi a segunda mais denunciada na plataforma Disque 100, ficando atrás apenas da violência contra a mulher, representando 27% do total de denúncias feitas no canal. Em 67% dos casos, o local da violência contra a criança ou adolescente foi a própria casa onde residem a vítima e o suspeito, fato que se agravou com a pandemia e o necessário distanciamento social.

A maioria das vítimas foram crianças de 5 a 9 anos de idade, e o principal agressor foi o próprio pai ou própria mãe (59% dos casos), seguido por padrasto ou madrasta (6%), avô ou avó (3%), e tio (3%), em total confronto com o Estatuto da Criança e do Adolescente, que preconiza o dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público em assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, sendo certo que a mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais, bem como deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação das crianças.

Esse direito preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais, sendo dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Outro destaque previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente é o direito dos petizes de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los, tudo isso porque, repita-se, é direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento e sua proteção integral.

Importante divulgar que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente, atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas e na execução de ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e de adolescentes, por meio de campanhas educativas permanentes para a divulgação do direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos, bem como através da formação continuada e da capacitação dos profissionais de saúde, educação e assistência social e dos demais agentes que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente para o desenvolvimento das competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente.

Na obra “O menino criado como cão” (PERRY, 2020), o psiquiatra norte-americano explica o que ocorre no cérebro das pessoas traumatizadas, especialmente de crianças e adolescentes que sofrem violências na infância. Se o medo aumenta, os sistemas cérebro que identificam ameaça integram as informações recebidas e orquestram uma resposta para todo o organismo, a fim de nos manter vivos. Os sistemas neurais e hormonais trabalham em conjunto para o bom funcionamento do cérebro e de todo o corpo. Com isso, o cérebro passa a focar em quem nos ameaça, quem nos protege e nos obriga a parar de pensar em coisas irrelevantes, e passa o comando para o sistema límbico, que faz a leitura dos sinais sociais. O ritmo cardíaco aumenta para enviar mais sangue aos músculos, caso tenhamos que lutar ou correr, aumenta o tônus muscular e faz desaparecer sensação de fome ou sede. Em resumo, o medo nos torna mais irracionais, o que nos permite ter reações de defesa mais rápidas, mas impede atividades como contemplar, fazer planos, sonhar com o futuro etc.

Se o medo de prolongar, diz Perry, o cérebro poderá sofrer alterações crônicas, quase permanentes. Se essa sensação prolongada se der nos primeiros anos de vida, pode causar mudanças duradouras nas pessoas – reações agressivas, impulsivas, menos racionais e menos solidárias. Sujeitar alguém ao medo e ao estresse crônicos é como enfraquecer o sistema de freios de um carro cujo motor foi potencializado, em outras palavras, foram alterados os mecanismos de segurança que impediam a “máquina” de se descontrolar (PERRY, 2020, p. 75). 

Essa explicação científica do efeito do trauma no cérebro foi aplicada às crianças citadas ao longo da obra e se concluiu que todas apresentavam esses sintomas (hiper-reativadas), o que causava, dentre muitos problemas, dificuldades de interação social e concentração para aprender.
Portanto, esperamos que esse próximo dia 18 de maio possa despertar na sociedade, nos pais, mães, cuidadores e responsáveis de forma geral, a consciência de que é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente e esse dever existe em razão da condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. Qualquer violência nessa trajetória pode causar profundos e irreparáveis traumas, com repercussão para toda a vida.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, nenhuma criança ou adolescente deveria ser objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, e deveria ser punido qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais, exatamente porque a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. 

Qualquer pessoa que tenha conhecimento ou presencie ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que constitua violência contra criança ou adolescente, tem o dever de comunicar o fato imediatamente ao Disque 100, à Delegacia de Polícia, ao Conselho Tutelar ou à Ouvidoria do Ministério Público para imediata apuração, proteção da vítima e responsabilização do ofensor.
O Ministério Público está atuando, desde a edição da Lei 13.431/2017 (estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência), de forma mais incisiva para que em todos os municípios tocantinenses sejam promovidas ações articuladas, coordenadas e efetivas entre os serviços de saúde, assistência social, educação e segurança pública, voltadas ao acolhimento e ao atendimento integral às vítimas de violência, evitando a repetição de atos processuais e a revitimização, exatamente porque é dever do Poder Público criar programas, serviços ou equipamentos que proporcionem atenção e atendimento integral e interinstitucional, por meio de equipes multidisciplinares especializadas, a essas crianças e adolescentes. 

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(1). Disponível em https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2021/04/20/denuncias-de-violencia-contra-a-crianca-e-o-adolescente-atingem-maior-patamar-desde-2013.ghtml. Acessado dia 8 de maio de 2021.