Relatora da comissão criada com o objetivo de acabar com salários acima do teto nos três Poderes e nos três entes da Federação, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) refuta a tese de que a discussão, engavetada no Congresso Nacional há anos, entrou na pauta como forma de retaliação ao Judiciário em um contexto de operação Lava Jato. Ela diz que o fim dos supersalários é algo esperado pela população e que ocorrerá sem “caça às bruxas”.

Contrária ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), de quem foi ministra da Agricultura e continua amiga próxima, a senadora afirma que enxerga o processo que tirou a petista do poder como uma injustiça e algo “desproporcional”. A peemedebista critica a proposta de limitação dos gastos públicos levada ao Congresso pelo presidente Michel Temer (PMDB), de seu partido, e defende que a conta da crise econômica não pode ser paga apenas pelos “mais pobres”.

Representante do Tocantins no Senado, Kátia Abreu nasceu em Goiânia e recebeu a equipe do O Popular na casa de familiares que vivem na capital goiana para a gravar o programa Jackson Abrão Entrevista, que vai ao ar semanalmente no site do O Popular em Goiânia.

A questão dos salários acima do teto vai ser de fato resolvida?

Essa demanda já é antiga por vários anos e ninguém sabe porque não se vota. Essa matéria começou a ser tratada em 2012, 2013, no sentido de cortar os supersalários, mas essa legislação é muito antiga. Na Constituição de 1988 nós já tratamos do tema no artigo 37, definindo com muita clareza. Isso não é nem uma coisa normal na Constituição detalhar tanto. Em 2003 nada tinha sido feito e houve uma emenda constitucional que detalhou mais ainda o que pode ganhar e como isso tem de ser. Essa emenda ainda pediu uma regulamentação, uma listinha mostrando o que é salário e o que de fato não é contabilizado como salário. No meio do caminho houve algumas tratativas no Supremo Tribunal Federal (STF) que colocaram algumas dúvidas. Por exemplo, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) houve uma resolução permitindo o efeito cascata, que aumenta o salário do STF, aumenta também nos Estados. Isso trouxe um Deus nos acuda.

Mas esse problema não é só no Judiciário.

Existe também no Legislativo e no Executivo. A Constituição trata exatamente dos porcentuais que todos podem ganhar de acordo com esse principal que é o teto, mas é fundamental que isso só seja feito por lei. Então, se aumenta o salário em Brasília, só aumenta por lei, aprovado por deputados (federais) e senadores. Se os Estados quiserem fazer a mesma coisa, eles têm de se submeter à Assembleia Legislativa. Existe um orçamento estadual e de repente um governador é pego de surpresa com aumentos que ele não poderá dar.

Esses altos salários acontecem mais nos Estados?

No que diz respeito a aumento sem aprovação de lei, é só nos Estados. Tudo é feito por portaria dos órgãos e decretos sem a Assembleia Legislativa aprovar os aumentos. Por que estão fazendo isso se a Constituição diz que é obrigado a aprovar nas Assembleias? Por conta de uma resolução do CNJ e que permitiu esse efeito cascata.

Quem ganha salário extravagante perderia esse direito?

A Constituição é claríssima. Isso é um arbítrio, foi uma exorbitância, não é direito. Teto é teto. Ouvi isso da ministra do Supremo e do Rodrigo Janot. Tudo que for benefício transportado para o salário tem de estar dentro do teto. Você pode até ganhar, mas desde que não passe do teto. Não existe direito adquirido, mas não vai precisar devolver dinheiro porque existiam normativos sobre isso. Chegou o momento de resolver o problema sem caça às bruxas. Fomos aos poderes dizer que ninguém ia expor ninguém. Agora, se a imprensa for para os portais da Transparência e procurar salários de A, B ou C eu não tenho nada com isso. Vou regulamentar a matéria.

O que deve ficar de fora do corte de teto após essas mudanças que vocês estão propondo?

Vou adiantar dois pontos. Basicamente diárias e passagens aéreas para quem vai trabalhar fora do seu local de concurso. Isso eu lhe garanto que está fora. De resto, muita pouca coisa ficará.

A sra. fez reuniões com ministros do Supremo, com gente do CNJ e do Tribunal de Contas da União (TCU). Isso afinou a linguagem entre os poderes?

Inicialmente começou uma conversa de que estávamos criando uma comissão para perseguir juiz. Eu fico muito incrédula com tudo isso porque não aceitaria ser usada para uma coisa do mal, uma coisa que fizesse mal ao País. Aceitei a relatoria, quase que me coloquei à disposição para ser relatora porque via nisso uma grande oportunidade de fazer correção e até de se fazer Justiça. Temos pessoas, instituições e órgãos cumprindo o teto e outros, a seu bel prazer, descumprindo. A Constituição é feita para todos os brasileiros e isso traz uma revolta à população, que fica sabendo que tem servidor público ganhando R$ 100 mil, R$ 150 mil. Isso traz indignação quando estamos vendo desemprego e salário de R$ 880.

A sra. tem defendido que não se trata de retaliação ao Judiciário, mas essa é uma questão antiga que entrou na pauta agora. Seria possível votar isso em outro contexto político?

No Congresso Nacional tudo é uma questão de oportunidade e situação. Algumas épocas são favoráveis a determinados temas. Hoje o crescimento político da população e a Lei de Acesso à Informação trazem um grande esclarecimento. O amadurecimento da população traz novas exigências. Nós estamos vivendo outro mundo. Quem não compreender isso e ficar agarrado a uma democracia corporativa vai se dar mal. A corrupção é um dos itens, mas a população não tolera mais nada. Não tolera mais salários exorbitantes. Não aceito dizerem que porque estão combatendo a corrupção e prendendo bandidos, nós queremos perseguir. Quero dizer que corrupção não é só propina, mensalão ou petrolão. Se apropriar de verbas que não fazem parte do seu salário não deixa de ser uma forma de se corromper.

Já existe estimativa de qual será a economia?

Ainda não temos tudo, mas o objetivo final é mostrar para o Brasil o que vai resultar de economia. No Senado, o presidente Renan (Calheiros, do PMDB de Alagoas) implementou isso em 2013. Fizemos o dever de casa no Senado e economizamos, em três anos, R$ 46 milhões. A Câmara fez no ano seguinte. Só em 2016, a Câmara economizou R$ 96 milhões. O Ministério do Planejamento nos informou que de 2011 a 2016 já houve uma economia de R$ 426 milhões. Vamos passar de bilhões de reais em economia apenas cumprindo a lei e a Constituição.

A sra. foi contra o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, indo contra a posição do seu partido. Qual sua visão a respeito desse processo quase três meses depois?

Minha opinião continua a mesma. Foi desproporcional e injusto. Foi um complô administrado por Eduardo Cunha (ex-deputado e ex-presidente da Câmara, do PMDB do RJ) e pelo centrão, que a puniram por aquilo que ela tem de mais preciso, que é sua correção. Ela não quis, por exemplo, salvar Eduardo Cunha. Bastava uma ligação dela para salvá-lo, mas ela não se dispôs a isso. Ela não faz isso.

Você tem conversado com a ex-presidente após o impeachment?

Ontem nós conversamos longamente. Quase toda semana nós conversamos.

Ela está em Porto Alegre. Já fez uma visita?

Não. Nós vamos nos encontrar no Rio (de Janeiro), onde vamos fazer uma pequena reunião das meninas. Vamos comemorar o Natal. As meninas são a presidente Dilma, eu, a Izabella (Teixeira), ex-ministra do Meio Ambiente, Tereza Campello, ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, e Eleonora Minicucci, ex-ministra da Mulher. Vai ser um clube da luluzinha e vamos fazer um amigo oculto.

Essa boa relação com a ex-presidente Dilma não causa desconforto no PMDB?

Não porque todos eles eram amigos da presidente Dilma. Foram vice-presidentes dela duas vezes. Foram no primeiro governo e acharam tão bom que quiserem de novo. Não há do que se reclamar. Aliás, os senadores do PMDB têm uma ótima relação com a presidente, uma afinidade muito grande com ela e tiveram muita dificuldade no impeachment.

A sra. concorda com a pauta levada ao Congresso após o impeachment?

Nós temos uma grave crise e temos uma PEC para limitar os gastos públicos. Sou a favor da limitação, mas sou radicalmente contra os 20 anos. É desnecessário e muito ruim para o País. Daqui a pouco um novo presidente é eleito e vai mudar isso. Vamos nós para o Congresso de novo, com outra PEC, para tirar esse prazo. Ninguém vai se submeter a isso. Procurei todos os economistas conservadores do País, nos quais acredito, e ninguém conseguiu me explicar o motivo dos 20 anos. Também não concordo que a conta fique apenas com uma parcela da população. Todo mundo tem de pagar um pouco da conta, não apenas os mais pobres. Os incentivos fiscais para os empresários cresceu 1 ponto porcentual do PIB nos governos Lula e Dilma. Isso significa de R$ 60 bilhões a R$ 70 bilhões. Não seria possível reduzir esse ponto porcentual para não ter necessidade de congelar tanto as despesas com o Bolsa Família ou salário dos aposentados? Ninguém quer briga com gente grande, com as corporações.

Se a Câmara aprovar a anistia ao caixa 2, esse projeto chegará ao Senado. O que a sra. acha dessa proposta?

Quero ver em quais condições ela será aprovada. Existe um crime eleitoral e existe a prática de corrupção, de enriquecimento ilícito, como nós estamos vendo aí. Se isso conseguir ser separado, de forma que um não se aproveite do outro, eu poderei votar. Não tenho convicção. Se todos os poderes concordarem que ficou ajustadinho com a separação do que é malandragem, corrupção, abuso e a doação de campanha verdadeira, eu posso pensar no assunto.

Há clima para as reformas trabalhista e previdenciária até 2018?

A trabalhista não dá de jeito nenhum. Não tem nem proposta. Não conhecemos nem a previdenciária, a qual sou a favor desde que não mexa com velho, pobre e portador de deficiência. Concordo em aumentar idade e mexer nas contribuições. Mexer nas pensões de gente rica e não tirar de viúva pobre. Tenho intenção de ajudar porque acho que a previdência é o grande gargalo do País.