Dois integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) estão presos em Goiás com base na Lei de Organizações Criminosas, sancionada em 2013.

José Valdir Misnerovicz, 46, e Luis Batista Borges, 46, foram detidos preventivamente em 31 de maio e em 14 de abril, respectivamente, no interior do Rio Grande do Sul e foram levados para Goiás por ordem da Justiça goiana.

Há mandados de prisão contra outros dois integrantes do movimento que ainda não foram cumpridos.

Segundo o MST, é a primeira vez no país que a Lei de Organizações Criminosas é usada contra o movimento.

O Ministério Público de Goiás, que pediu a prisão, sustenta que, os integrantes do movimento "promoveram ou financiaram organização criminosa" ao cometer crimes como cárcere privado, roubo, incêndio e esbulho possessório.

A Secretaria de Segurança Pública de Goiás informou que Misnerovicz é suspeito de "liderar, incentivar e cometer diversos crimes" na zona rural do município de Santa Helena de Goiás, a 220 km de Goiânia.

Na decisão da Justiça goiana que determina a prisão preventiva dos quatro integrantes do MST, consta que eles são considerados líderes do movimento que se instalou em duas fazendas em Santa Helena de Goiás, a Várzea da Ema e a Mário Moraes.

Segundo o documento, a invasão das áreas iniciou em agosto de 2015 e, desde então, os sem-terra têm praticado uma série de atos criminosos no local.

Uma dessas fazendas pertence à Usina Santa Helena e, segundo informações do MST, no último domingo (31) cerca de mil famílias sem-terra voltaram a essas terras exigindo a desapropriação da área para fins de reforma agrária.

Também pedem o assentamento imediato das 6.500 famílias hoje acampadas em Goiás. Ainda de acordo com a nota, a ação também serve como "denúncia ao processo de criminalização" que o movimento sofre no Estado.

O delegado responsável pelas investigações que resultaram nos quatro mandados de prisão, Adelson Candeo, de Rio Verde (GO), afirma que a lei referente a organizações criminosas é comumente utilizada para efetuar prisões.

Candeo diz que a lei de organização criminosa "se enquadra perfeitamente em relação ao caso, em especial ao José Valdir [Misnerovicz] que seria o líder dessa organização criminosa". Ele diz que esse "enquadramento" não tem nada a ver com o MST, mas em relação aos crimes e abusos cometidos em Santa Helena de Goiás.

A lei de 2013 ganhou notoriedade por ter regulamentado o instituto da colaboração premiada, que se tornou a base da Operação Lava Jato.

O delegado afirma que o simples ato de invadir terras que não estão sendo utilizadas para produzir para fins de reforma agrária não é crime. "Agora isso não tem nada a ver com colocar fogo em máquina, manter pessoas em cárcere privado...isso foge completamente à doutrina do sem-terra."

'Afronta'

Um dos advogados de defesa dos integrantes do MST detidos, Marcello Lavenère, diz que nenhuma dessas suspeitas procedem.

Lavenère, que é ex-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), diz que o Judiciário entendeu equivocadamente que o MST é uma organização criminosa.

Ele afirma que Misnerovicz tem domicílio fixo, é geógrafo, e não estava presente nas terras citadas na denúncia. "Não há nenhuma materialidade... Ele foi preso por uma visão distorcida e criminilizadora inaceitável dos juízes que compõem a trinca da magistratura que opera nesse processo."

Em nota divulgada pelo MST na internet, na quarta (4), o movimento diz haver "dois militantes presos políticos no Estado de Goiás, o que representa uma afronta ao direito de organização política, previsto na Constituição Federal".

O MST afirma entender que a Lei de Organização Criminosa "possui implicações muito graves, uma vez que pode ser aplicada a qualquer organização popular, sindical, eclesial ou outras formas, estejam ou não vinculadas a práticas ou conexões terroristas".

O movimento ainda relata que nos 32 anos de existência nunca passou "pela surpreendente situação de ser considerado organização criminosa".

Lavenère diz que o MST nunca havia sido considerado, em nenhum Estado do Brasil, como sendo uma organização criminosa.

A Promotoria de Justiça em Santa Helena de Goiás-GO, por meio de nota, diz que a afirmação de que a Justiça está tentando criminalizar o movimento social não procede e que denúncia foi baseada em provas colhidas em inquérito policial.

Lavenère informa que a defesa fez pedidos de habeas corpus para Batista e Misnerovicz e que ambos foram negados pela Justiça de Goiás. Ele afirma aguardar que essa decisão seja publicada para recorrerem ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).