Falta de ética", "assédio moral" e "desrespeito". Assim o Cremers (Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul) classificou o vídeo que mostra um prefeito gaúcho telefonando para um médico ausente no posto de saúde num horário em que deveria estar atendendo.

"Você poderia me dizer qual é o motivo da sua ausência aqui na UBS [Unidade Básica de Saúde]? É o seu dia de plantão. Tem 16 pacientes na sua agenda e o senhor não está aqui atendendo", diz Daniel Guerra (PRB), prefeito de Caxias do Sul, cidade da serra gaúcha, durante o telefonema.

O momento foi filmado na última quinta-feira (2), durante uma das quatro visitas do prefeito a locais de atendimento de saúde, como postos e plantão 24 horas.

Os médicos que atendem pelo SUS (Sistema Único de Saúde) fizeram uma paralisação de três dias porque não aceitam bater o ponto biométrico. Para baterem o ponto, exigem um aumento de R$ 2.000 nos salários.

Depois que Guerra anunciou que teria "tolerância zero" em relação ao cumprimento da jornada de trabalho, três médicos pediram demissão, de acordo com a prefeitura.

Nesta segunda-feira (6), os médicos retornaram ao trabalho, porém sem bater o ponto e sem cumprir a carga horária para a qual foram contratados em concurso público.

Os médicos atendem uma cota de pacientes por dia, em consultas que podem durar até cinco minutos, segundo Marlonei dos Santos, presidente do Sindicato dos Médicos de Caxias do Sul.

Dessa forma, médicos contratados para trabalhar 20 horas ou 35 horas semanais acabam trabalhando cerca de 10 horas por semana. A "cota", diz Santos, faz parte de um acordo da categoria com a prefeitura em vigor "desde 1998".

O Cremers divulgou nota sobre o vídeo do prefeito afirmando que é "lamentável ver o desrespeito, o assédio moral e falta de ética na relação entre gestores e médicos".

O texto da entidade também afirma que é "injustificável a exposição midiática do médico e o uso político no trato de uma questão administrativa, comum no dia a dia". O caso repercutiu nacionalmente após reportagem da Folha, publicada na última sexta-feira (3).

"Procuram repassar ao médico, mais uma vez, a incompetência do gestor na solução dos problemas do sistema de saúde de seu município", diz ainda o Cremers.

Durante o telefonema, o prefeito lembrou o médico de que "o salário estava em dia" e pediu que "cumprisse o papel de servidor em respeito à população".

Por orientação de sua procuradoria jurídica, a prefeitura não quis identificar o médico que recebeu a ligação. O médico estava locado na UBS do bairro Esplanada e deveria atender diversas gestantes naquele dia.

O Cremers informou que encaminhará uma representação ao Ministério Público sobre o caso e defendeu o direito à greve da categoria.

Procurado pela reportagem, o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Sul, Paulo de Argollo Mendes, não quis comentar o caso.

GREVE ILEGAL

A prefeitura considera a greve dos médicos ilegal por dois motivos: não teria sido avisada com 72 horas de antecedência, como prevê a lei, e o sindicato que representa a categoria é o Sindiserv, dos servidores municipais.

O sindicato dos médicos alega que notificou a prefeitura sobre a greve no dia 23 de fevereiro e que a Justiça considerou, em decisão anterior, que o órgão é o representante legal da categoria.

O Sindiserv diz que está aberto ao diálogo, tanto com a prefeitura como com os médicos.

"Nosso compromisso é com a valorização dos servidores. Mas temos atribuições importantes, temos que cumprir nossas tarefas, nossos horários", disse Silvana Pirolli, presidente do Sindiserv, à reportagem.

Daniel Guerra diz que não se considera "um político, mas um gestor". Após vencer a eleição, fez uma seleção para escolher os funcionários em cargos comissionados.

Ele venceu a eleição em outubro de 2016 com 62,79% dos votos válidos, ante os 37,21% de Edson Néspolo (PDT), candidato apoiado pelo governador gaúcho, José Ivo Sartori (PMDB), e 21 partidos.

RENÚNCIA

A polêmica ocorre no mesmo dia em que o vice-prefeito de Caxias do Sul, Ricardo Fabris (PRB), entregou uma carta à Câmara renunciando ao cargo.

A maioria dos vereadores, 18 de 23, faz oposição ao prefeito desde o início da nova gestão. A prefeitura confirmou a renúncia. Fabris não foi localizado.

Em janeiro, Fabris disse ao jornal local "Pioneiro" que "não era subordinado" a Guerra. A relação entre vice e prefeito já estava estremecida desde o final da eleição.