O presidente Juan Manuel Santos entregou, na tarde desta quinta (25), o texto do histórico acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

Com um sorriso de orelha a orelha, o mandatário deixou a Casa de Nariño (sede do governo), cruzou a Praça das Armas em direção ao Congresso e entregou o documento, embrulhado em uma fita com as cores da bandeira nacional (azul, vermelho e amarelo), ao presidente da casa, Mauricio Lizcano.

Ali, Santos fez um pequeno discurso exaltando o fim da negociação e anunciando que o cessar-fogo bilateral, antes previsto apenas para depois da assinatura formal do tratado, já começará na próxima segunda-feira (29).

Passada a euforia da festa que tomou as ruas de Bogotá na noite de quarta (24), porém, os colombianos despertaram com a íntegra do texto e a notícia de que vários pontos que tinham alta rejeição do eleitorado, segundo as pesquisas de opinião, estão no documento final.

"Os colombianos terão de engolir alguns sapos se quiserem a paz", resumiu a analista Juanita León, do site "La Silla Vacía" (a cadeira vazia).

As próximas semanas serão de intenso debate, com o início das campanhas pelo "sim" e pelo "não", até o dia do plebiscito, marcado para o dia 2 de outubro.

As concessões à guerrilha não são poucas. Entre os itens polêmicos, agora detalhados, está o da anistia geral para quem cometeu crimes menores, como roubos, extorsões ou delitos políticos considerados de baixa gravidade.

Apenas serão julgados aqueles que tenham cometido crimes de lesa-humanidade (assassinato, tortura, sequestro, estupro e recrutamento de menores), e mesmo estes poderão ter a pena amenizada. Quem confessar ter cometido algum desses delitos receberá como sentença de 5 a 8 anos de "restrição de liberdade" (ou seja, irão para áreas de movimentação limitada e sob vigilância, mas não para prisões comuns).

Já quem não confessar, mas for considerado culpado pela Justiça transicional, pode ser condenado às penas regulares de até 20 anos, em prisões comuns.

Para o representante do governo colombiano nas negociações, Humberto de la Calle, o mecanismo é necessário para "fazer o país voltar ao Estado de direito".

"A Justiça transicional não é uma prima pobre da Justiça comum", afirmou.

DINHEIRO PARA AS FARC

Outro ponto indigesto para muitos colombianos é o fato de o governo ter aceito distribuir dinheiro para auxiliar a reinserção dos guerrilheiros à sociedade.

O acordo estabelece que, por 24 meses, os desmobilizados receberão 90% de um salário mínimo mensal.

Terminado esse período, se não voltarem a cometer delitos, estiverem matriculados em algum curso e trabalharem em projetos comunitários (como reconstrução de estradas ou áreas destruídas, desativação de minas terrestres), terão direito a um subsídio único de 8 milhões de pesos colombianos (cerca de R$ 8.900), para reconstruírem suas vidas.

"Essa indenização depende de estarem no que chamamos de processo de reincorporação, que não voltem a cometer crimes e que estejam ajudando a comunidade", disse Frank Pearl, um dos negociadores do governo, na manhã de quinta em Havana.

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Por fim, foi esclarecido um dos temas mais espinhosos, mas também mais caros para as Farc: a participação política. Em várias entrevistas, seus líderes vinham afirmando que a única razão pela qual a guerrilha aceitara negociar era porque gostaria de seguir defendendo suas ideias, porém sem armas e no Congresso.

Este foi um dos pontos mais travados do acordo, ao qual apenas se chegou a um consenso apenas nos últimos dias da negociação. Segundo o instituto Ipsos, 70% dos colombianos preferiam que ex-guerrilheiros fossem completamente banidos da política.

Ainda assim, ficou estabelecido que os ex-Farc poderão formar um partido e concorrer às eleições, locais e nacionais. Para terem condições de se organizar como agrupação política, receberão anualmente, até 2026, uma verba fixa de ajuda do Estado.

O acordo estabelece que o novo partido já poderá concorrer nas eleições legislativas e presidenciais de 2018.

O texto ainda determina que a guerrilha tenha um número fixo de vagas no Senado e na Câmara, cinco em cada casa. Caso não consigam preenchê-las nas eleições, o Estado permitirá que a ex-guerrilha indique ocupantes.

O mesmo se repetirá na eleição seguinte, de 2022.

A partir daí, o partido das Farc apenas ocupará cadeiras no Congresso se for eleito diretamente para tanto.