O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, 52 anos, acha que “quanto mais puder ser feito, melhor” na reforma da Previdência. Em entrevista ele afirmou: “Sob o ponto de vista do Banco Central, quanto melhor a reforma, melhor para a inflação, melhor para os juros, melhor para o crescimento. Para nós, quanto mais puder ser feito, melhor.”

Ilan Goldfajn deve deixar o cargo em março, quando assumirá o posto o economista Roberto Campos Neto –que até lá deve ter sido sabatinado e ter seu nome aprovado pelo Senado. Responsável pela política monetária brasileira desde junho de 2016, Ilan fala com cautela sobre a proposta do governo do presidente Jair Bolsonaro de reduzir a carga tributária no país.

Neste ano de 2019, o deficit já estipulado no Orçamento da União é de R$ 139 bilhões. Para Ilan, é difícil cortar impostos agora e com a pressão existente para diminuir o rombo nas contas públicas.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe já manifestaram diversas vezes a intenção de diminuir a carga tributária do PIB, atualmente em 36%. O objetivo é cortar 10 pontos percentuais ao longo de 4 anos. Essa é uma tarefa difícil no curto prazo, diz Ilan:

“Eles estão fazendo as contas, mas é claro que no momento em que você tem 1 deficit, o 1º objetivo é reduzi-lo. E a redução do deficit se faz com redução de despesa. Se a redução de despesa for muito forte, aí nós podemos pensar em outros alívios. Mas nós sabemos que as despesas estão comprimidas, tanto é que nós estamos indo para as despesas obrigatórias, precisando de reformas. Então eu diria que talvez no longo prazo seja possível, mas no curto prazo o objetivo principal é reduzir o deficit e ir para o superavit primário, estabilizar a dívida e mostrar que as reformas vão manter as contas públicas em ordem por 1 médio e longo prazo (…) Então, é mais difícil [cortar impostos agora]. Depende do que você conseguir fazer em termos de despesas”.

A meta de inflação para este ano é de 4,25%, a menor em 14 anos. Essa taxa dá margem para que o Banco Central trabalhe com tranquilidade mesmo com alguma pressão, interna ou externa:

“As expectativas da inflação para este ano estão abaixo de 4%. Ou seja, a gente tem uma certa folguinha para o caso de ter alguma pressão. E as expectativas para a inflação implícita, aquela que você tira dos ativos financeiros, também estão abaixo de 4%. Então estamos começando o ano relativamente bem comparado com a nossa meta de 4,25%”.

Sobre as estimativas de desaceleração da economia mundial, Ilan Goldfajn afirma que a grande preocupação é a China:

“A grande dúvida do começo deste ano é se a economia mundial vai enfrentar uma desaceleração ou não. Não acho que a desaceleração vai ser forte nos EUA porque eles estão num momento de ‘boom’ no crescimento e com desemprego baixo. Mas a grande questão é a China. Como nós temos 1 comércio relevante com a China, a desaceleração mundial para a gente é o que acontece na China e se isso vai gerar algum impacto no preço das commodities e se isso vai acabar influenciando a nossa economia. Esse é o risco hoje”.

O presidente do Banco Central afirma que 1 dos projetos da autarquia para 2019 é a implementação do pagamento instantâneo 7 dias por semanas, 24h por dia. O órgão também formatará o open banking, que permitirá que uma pessoa peça a portabilidade de seus dados financeiros de uma instituição para outra.

Quando o open banking estiver funcionando plenamente, o consumidor que tiver conta no Bradesco ou no Itaú, poderá requerer a essas instituições que repassem todo o seu histórico para, digamos, uma fintech. Para que isso se materialize, será usado o que determina a Lei Geral de Proteção de Dados, promulgada em agosto de 2018 (e que entra em vigor por completo no início de 2020). Eis o que disse Ilan:

“Uma das medidas que a gente está querendo implantar é o chamado open banking, que em português significa ‘banco livre’. Livre como? Significa que os teus dados serão livres para ser transferidos a qualquer lugar que você queira. Todos os dados que você acumulou: quantos anos você já está no banco, se você consumiu tal coisa”.

Torcedor do Flamengo, economista e professor, Ilan nasceu em Haifa, em Israel. Mudou-se para o Brasil com 13 anos. Morou muito tempo no Rio de Janeiro e estudou na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Com extensa e respeitada carreira na academia, no mercado e em instituições internacionais, o presidente do Banco Central terá se submeter a uma quarentena de 6 meses ao deixar o posto em março.

A seguir, a transcrição de trechos da entrevista de Ilan Goldfajn:

Poder360 – Quando o sr. deve deixar o Banco Central?
Ilan Goldfajn –
No Banco Central as mudanças ocorrem após a nomeação e a sabatina no Senado. O Senado tem que estar funcionando, tem que ter uma Comissão de Assuntos Econômicos, tem que passar a sabatina e depois vem a posse.
Eu me comprometi com o novo governo de ficar até que o Senado aprove o nome do Roberto Campos Neto, que eu imagino que até março aconteça. Então eu tenho aí mais 1 mês e meio, 2 meses de trabalho no Banco Central.

O sr. decidiu o que fará profissionalmente depois de deixar o Banco Central?
Por enquanto estou focado no Banco Central. [Depois], o presidente do Banco Central tem uma quarentena de 6 meses. [Nesse período], é claro, você pode fazer trabalhos acadêmicos, mas qualquer outro trabalho fora da academia tem conflito de interesse, e, portanto, tem que esperar 6 meses.

O sr. foi convidado a permanecer à frente do Banco Central?
Durante todo o processo houve conversas, seja para esclarecer o que está acontecendo na economia brasileira ou para falar do futuro. No final das contas resolvemos em comum acordo que já é o momento de eu partir para uma nova era.

A taxa de juros no Brasil está na sua mínima histórica. A inflação ficou abaixo do centro da meta em 2018. Por que a recuperação econômica não ocorreu num ritmo mais robusto?
Porque a política monetária não é a única determinante no crescimento. A política monetária é às vezes estimulativa, como acredito que ela esteja agora. Gera mais crédito para financiamento, por exemplo, a bens de consumo. Ajuda no mercado de capitais. No mais, depende de algumas outras questões.
A economia brasileira teve uma recessão profunda 2 anos seguidos, chegou a cair 7,5% e a recuperação, quando ocorre num processo que a gente chama de desalavancagem, que é 1 processo no qual está todo mundo reduzindo as suas dívidas e os excessos, leva mais tempo. Isso a gente já sabe de uma experiência internacional.
Temos também uma economia que está precisando de reformas. Reformas fiscais, reformas de produtividade. Isso faz com que as empresas adotem uma atitude de esperar 1 pouco antes de investir.
Então nós temos o consumo que está indo relativamente bem, mas o investimento está indo 1 pouco devagar. O consumo começou antes e o investimento só depois começou a andar. Falta ainda completar o ciclo de reformas para depois conseguir ter mais investimento, mais consumo, e com isso, crescimento maior. Sem contar com o lado da oferta, que se você faz reforma do trabalho, reforma da educação, isso gera o crescimento de produtividade e você consegue crescer sem inflação.

Quanto tempo vai demorar para o Brasil recuperar o grau de investimento?
Acho que leva anos.

Mesmo em uma perspectiva otimista?
Perspectiva otimista significa levar menos anos. Mas não são questões de meses, são anos. O que pode acontecer –e já está começando a acontecer– é que o risco medido pelo mercado financeiro no CDS já está caindo. Já está com 180 e poucos pontos. Isso já indica que mesmo que as agências de classificação levem mais tempo, no mercado o custo já está começando a cair.

O dólar teve uma instabilidade grande na transição de governo e nesse início da nova administração. Deve-se esperar 1 ano ainda com instabilidade na taxa de câmbio?
No ano passado, além das questões de eleição, teve também uma questão internacional. Todos os emergentes depreciaram. Em alguns países houve crise. Teve casos extremos como a Argentina e a Turquia, com depreciação de 50%. Mas todos os países tiveram alguma depreciação, porque o dólar, que é o que toda uma maioria olha, ganhou força.
No final do ano deu uma estabilizada. Isso, vindo de fora. De dentro, teve o que você comentou, que é a questão interna. Neste ano vai ser igual: uma combinação dos fatores externos com os fatores internos.
Você sabe que os economistas têm muito respeito pelas taxas de câmbio, ninguém quer projetar câmbio porque sabe que é a variável mais difícil que tem. E no Banco Central, a gente, por profissão, tenta não falar de câmbio.

Vários indicadores demonstram que a economia global terá uma redução na velocidade de crescimento. Tem também a disputa comercial entre China e Estados Unidos. Essa conjuntura prejudica a possível recuperação do Brasil?
Tem vários focos de incerteza.
Você citou China e Estados Unidos. É 1 foco de comércio que pode ser o responsável pelas taxas de desaceleração do crescimento chinês. Muita gente acha que pode desacelerar. É por isso que o governo chinês está atuando. Você também tem outro foco de incerteza que é o Brexit. Você comentou o fim do ciclo, os Estados Unidos estão num ciclo de crescimento muito forte há algum tempo. O receio é que daqui pra frente não seja tão forte e que na verdade venha a cair. Tem vários focos de incerteza que podem influenciar. O quanto vão influenciar a gente não sabe.
Pode ser que algumas coisas se resolvam. Por exemplo, China e Estados Unidos podem chegar a 1 acordo. Pode ser que o Brexit que está em 1 momento mais difícil venha a se resolver –ou tenha uma saída menos dolorosa. Então tudo isso pode gerar mais ou menos incerteza.
Em junho de 2016, quando eu entrei, acho que o cenário internacional estava benigno e a gente colocou nas nossas comunicações. Chamamos aquilo de interregno benigno. No ano passado houve o fim desse interregno. Não significa que vai piorar sempre, mas acho que aquele cenário de juro muito baixo, com a economia internacional crescendo, já não vai ter mais.

O Brasil, portanto, está se preparando para crescer exatamente no momento em que a economia mundial começa a desacelerar. Uma coisa vai anular a outra?
Acredito que o que a gente fizer vai nos ajudar muito. Se a economia global estiver OK, isso vai permitir o crescimento mais forte. E se a economia global não estiver crescendo tão bem, fazer o dever de casa aqui vai nos ajudar muito para enfrentar qualquer turbulência.
Você está num período no qual o Brasil passa a ser visto com uma economia que está se recuperando, que ajustou o fiscal, que fará a reforma da Previdência. Mesmo com o cenário ruim, vai ser benigno.

O Banco Central, sob o seu comando, tomou algumas medidas para tentar estimular a competição no setor bancário. Que outras medidas o BC poderia tomar para ajudar a acelerar esse processo e fazer com que o juro para o consumidor seja de fato mais baixo?
Tem algumas que dependem do Congresso, que é o Cadastro Positivo, que a gente tem que passar.
Tem várias medidas que ainda estão no Congresso, mas faz parte do processo. Sempre se coloca em discussão, algumas saem e algumas não saem. No final do ano passado a duplicata eletrônica foi algo que saiu. Facilita muito a gestão do comércio.
Coisas que não dependem do Congresso: facilitar os meios de pagamento, que as pessoas possam pagar e não depender tanto dos mecanismos tradicionais e dos bancos.
Tem 1 de nossos projetos que é para permitir pagamentos instantâneos por 24 horas, 7 dias por semana. Você poderá pagar tudo através do seu celular ou através daquelas maquininhas, que transferem diretamente da sua conta para outra conta, imediatamente, e isso precisa do Banco Central para organizar.
Hoje, muita gente já faz isso, mas faz do seu banco. Para fazer isso no sistema todo você precisa do Banco Central para organizar o pagamento instantâneo e a gente vai trabalhar nisso neste ano.

Esse projeto do pagamento instantâneo será formatado e implantado neste ano?
Sim. Acho que pode caminhar bastante neste ano.

Se vai funcionar ainda não dá pra saber?
Eu acho que são crescentes. Você vai ver que cada vez mais se usam, por exemplo, no setor de cartão de crédito e cartão de débito, a quantidade de maquininhas que tem, a quantidade de competição que está tendo. Se você vai numa feira, no mercado, você já vê que o comerciante tem várias maquininhas. Está caindo o preço.
Uma das medidas que a gente está querendo implantar é o chamado open banking. Em português, “banco livre”. Livre como? Significa que os teus dados serão livres para serem transferidos a qualquer lugar que você queira. Todos os dados que você acumulou: quantos anos você já está no banco, se você consumiu tal coisa.

Isso não é como o Cadastro Positivo?
Isso é o Cadastro Positivo mais amplo.

Qual a diferença básica?
A diferença é que o cadastro positivo é 1 cadastro que todo mundo consegue ver se você pagou ou não pagou as suas contas. O open banking tem a ver com a portabilidade dos teus dados de 1 lugar para outro da forma mais fácil. Então se você quer que os teus dados, se você é cliente de 1 banco ‘X’ e diz: ‘Agora eu quero ir para a fintech, passe todos os meus dados para a fintech?’ Que dados? A conta inteira, tudo, quantos anos você está aí, se você consumiu tanto, pagou tanto, quero que tudo vai para a fintech.

Inclusive as contas que eu tenho em débito automático, já vai tudo para o outro?
É a informação. E depois você pode fazer a portabilidade da própria conta se quiser. Isso já pode hoje, a portabilidade você pode fazer quando quiser. Só que agora você pode fazer não só a portabilidade, mas também toda a informação.

Quando isso vai vigorar?
É algo que veio com a Lei Geral de Proteção de Dados, que foi promulgada no final do ano passado. É a lei que permitiu acesso a todos os dados da economia, não só no sistema financeiro. Tem uma carência. Acho que de 18 meses e alguma coisa [a lei entra em vigor por completo em janeiro de 2020]. Enquanto isso vão implantar essa capacidade.

Ou seja, demora ainda 1 período.
Nós estamos fazendo isso no sistema financeiro.

Em 2019, a meta de inflação é de 4,25%. Quais os principais desafios para que essa meta seja cumprida?
Tem que continuar no ritmo que a gente está hoje. As expectativas da inflação para este ano estão abaixo de 4%. Ou seja, a gente tem uma certa folguinha para o caso de ter alguma pressão. E as expectativas para a inflação implícita, aquela que você tira dos ativos financeiros, também estão abaixo de 4%. Então estamos começando o ano relativamente bem comparado com a nossa meta de 4,25%.

Mas tudo isso depende de algumas premissas no horizonte. Por exemplo, aprovar determinadas reformas no Congresso, como a Previdência. Na eventualidade de isso não ocorrer, o que muda?
É claro que a reforma da Previdência vai gerar impactos. Nós temos dito que no médio, longo prazo, não é uma questão de 2019, não tem como manter uma inflação baixa e juros baixos se não forem feitas as reformas. Principalmente a reforma da Previdência.
O ano de 2019 tem questões que vão além da reforma. Tem que ver como que vai estar a atividade, a inércia, os choques, têm várias questões no curto e no longo prazo. No médio prazo a reforma é fundamental.

A reforma da Previdência pode vir de várias formas. Se for algo mais tímido, será o fim do mundo, o caos, como dizem alguns analistas? O que pensa o BC?
Sob o ponto de vista do Banco Central, quanto melhor a reforma, melhor para a inflação, melhor para os juros, melhor para o crescimento. Você está perguntando para o Banco Central. Para o Banco Central quanto melhor for a reforma, melhor é. Então, para nós, quanto mais puder ser feito, melhor.
É claro que tem outras avaliações, que fogem do minha ‘expertise’. São avaliações políticas do que se consegue passar.

No mercado existe a expectativa de que a reforma da Previdência seja ampla. Não sendo possível isso, o mercado vai receber muito mal uma reforma mais tímida?
Aí tem que avaliar o mercado. Ele tem expectativas de ter uma reforma aprovada. É difícil dizer que tipo de reforma, cada 1 tem seu lado. O que é o mercado? É a formação de preços e milhões de pessoas que estão participando dessa economia. E saber o que cada 1 está pensando é difícil.

A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, por meio do professor Marcos Cintra, que é secretário da Receita Federal, tem falado sobre a necessidade de simplificar e também cortar impostos. Numa situação que se encontra o país com deficit previsto R$ 139 bilhões tem espaço para cortar impostos?
Eles estão fazendo as contas, mas é claro que no momento em que você tem 1 deficit, o 1º objetivo é reduzi-lo. A redução do deficit se faz com redução de despesa. Se a redução de despesa for muito forte, aí nós podemos pensar em outros alívios.
Mas nós sabemos que as despesas estão comprimidas. Tanto é que nós estamos indo para as despesas obrigatórias, precisando de reformas. Então eu diria que talvez no longo prazo seja possível, mas no curto prazo o objetivo principal é reduzir o deficit e ir para o superavit primário, estabilizar a dívida e mostrar que as reformas vão manter as contas públicas em ordem por 1 médio e longo prazo.

Portanto, cortar impostos neste cenário imediato de curto prazo fica mais…
Então, é mais difícil [cortar impostos agora]. Depende do que você conseguir fazer em termos de despesas.

A nova equipe econômica demonstrou interesse pela agenda que é conhecida do Banco Central? Ou o sr. acha que haverá mudanças com a chegada do seu sucessor, Roberto Campos Neto?
A gente tem uma agenda de médio e longo prazo. Muito do que está lá é a agenda do país. É uma agenda que não depende tanto das pessoas. As próprias declarações do governo, dos ministros, secretários, todos eles vão na direção de muito alinhamento com essas agendas.
As agendas são vivas.

No caso da independência do Banco Central, o ministro da Economia, Paulo Guedes, historicamente sempre defendeu essa medida. Não obstante, neste início [de governo], não há ênfase a respeito de o Congresso precisar votar a independência do Banco Central. Qual sua avaliação? O sr. conversou com o ministro Paulo Guedes sobre isso? O que o sr. acha que governo fará em relação a esse projeto?
Tudo que eu tenho escutado, seja em público ou privado, é a favor da independência. Tem sempre 1 cálculo de: “Consegue passar? Quando que vai passar? Se o momento é agora?”. Ou normalmente é: “Coloco a reforma da Previdência? É essa reforma ou outra?”. Tem sempre essa avaliação. Agora, eu tenho a impressão que tanto no Congresso como no governo temos hoje o melhor ambiente para passar essa reforma [independência do Banco Central] que a gente teve no Brasil. Por décadas foi bem mais difícil, o discurso, o debate… Eu estou achando que hoje nós temos condições 1 pouco melhores.

O relatório do deputado Celso Maldaner, que já é conhecido, atende às necessidades de promover a independência do Banco Central?
Eu acho que atende, sim. Isso não quer dizer que não se possa fazer uma mudança, uma emenda, coisas que pessoas podem achar que podem melhorar.

O Banco Central sob o seu comando tem alguma sugestão para fazer?
Poderia ter uma ou duas bem pequenas.

Por exemplo?
Nada muito diferente do que está aí não. Eu acho que está satisfatório. 

Se fosse aprovado tal como está atenderia ao BC?
Seria ótimo.

Como está a solidez do sistema financeiro nacional hoje?
O sistema está bem estável, bem sólido, ou seja, capitalizado. O que é capitalizado? É ter quantidade de capital suficiente para resolver qualquer problema que tenha. Ou seja, não falta dinheiro. Se houver uma recuperação da economia tem dinheiro pra emprestar. Eu considero o sistema em uma situação muito boa. 

Houve grande concentração nos últimos 15 anos, com 3, 4 ou 5 instituições com cerca de 80% aproximadamente dos ativos. Com a estabilização da economia haverá mais competição ou essa concentração é algo irreversível?
Esse número veio desde a crise financeira internacional, onde ocorreu 1 fenômeno semelhante em vários países do mundo. O que ocorre ao longo do tempo é que essa competição volta a crescer, mas ela vem das beiradas, vem de quem inventa as fintechs. Vou dar 1 exemplo: cada vez mais se abrem mais contas eletrônicas e menos físicas. 

Alguns bancos oferecem a conta bancária sem cobrar. Oferecem todos os serviços eletrônicos. Alguns oferecem durante 1 período e depois passam a cobrar. Mas há bancos digitais que oferecem o serviço gratuito para sempre. Aí fica uma dúvida: está se formando uma bolha? Até porque não se sabe como esses bancos vão rentabilizar…
Eles rentabilizam quase como em outros setores da economia onde você tem o aplicativo que é de graça e você acaba rentabilizando de outra forma. Nesse caso, se você tomar algum empréstimo ou pedir algum serviço que não seja daqueles tradicionais, acaba rentabilizando a operação. 

Mas será que é só isso? Quando se observa algumas instituições que já têm na casa de milhões de contas bancárias de graça… Não cobram para fazer a conta, não cobram para fazer DOC, TED. Não cobram para fazer nada. E obviamente a imensa maioria dos clientes entrou sem querer pedir nada. Só quer ter a conta e o cartão. Se essas pessoas não pedirem empréstimo, essa instituição estará frita…
Se ninguém for usar nenhum serviço é claro que não se viabiliza, mas eu acho que deve estar na conta que de alguma forma 1 percentual acaba tomando alguns serviços e aí vale a pena. 

O Banco Central está de olho nisso? Na solidez desse novo negócio?
O Banco Central olha a solidez de todos, não só dos bancos grandes também dos bancos médios, dos pequenos e das fintechs, também das cooperativas. No momento a visão é que o benefício desses lucros menores por meio da competição gera redução de custo para as pessoas. Afinal, quando a pessoa paga menos tarifas, gosta. Isso gera uma competição que é saudável. Traz mais benefícios do que os custos e mais riscos que te acompanham. 

Teve algum caso de algumas dessas operações só eletrônicas que apresentou algum problema mais grave?
Não foi exatamente por causa desse problema que você coloca de viabilizar o negócio, mas nós tivemos, não vou dizer o nome, uma que foi liquidada. Há pouco tempo nós tivemos 1 esforço de resguardar que todos os depositantes recebessem o dinheiro em 1 período relativamente curto. Acho que fomos bem-sucedidos nisso.
Teve muita gente que ficou com medo: “Eu botei em uma fintech, aí liquidou o banco e afetou a fintech”. Aí, o que a gente vai fazer? Pelo menos esse caso mostrou que o BC estava de olho, estávamos vendo, a reação foi rápida e não afetou nesse caso a credibilidade.

Tem algum esforço atual para olhar essas operações com uma lupa maior? Até porque estão aparecendo muitas.
Nós temos uma supervisão relativamente grande, então tem algumas fintechs que são reguladas pelo Banco Central. Tem outras que a gente chama de fintech, mas na verdade são inovações em instituições de pagamento. A gente olha tudo. Está na supervisão do Banco Central. Agora tem umas fintechs que não estão sob nossa supervisão, pois são pequenas, não são representativas e que, quando a gente achar que precisa regular, a gente vai trazer para dentro. 

Ainda sobre economia mundial: tem algum item ou algum aspecto sobre que o sr. acha que é 1 pouco mais dramático e que vai influenciar mais o Brasil em 2019, daqueles que já mencionamos?
A grande dúvida do começo deste ano é se a economia mundial vai enfrentar uma desaceleração ou não.
Não acho que a desaceleração vai ser forte nos EUA porque eles estão num momento de ‘boom’ no crescimento e com desemprego baixo.
A grande questão é a China. Como nós temos 1 comércio relevante com a China, a desaceleração mundial para a gente é o que acontece na China e se isso vai gerar algum impacto no preço das commodities e se isso vai acabar influenciando a nossa economia. Esse é o risco hoje.
No ano passado [2018], começou-se com uma preocupação inversa. A preocupação era que os EUA estavam crescendo forte demais, a inflação iria subir, os juros iriam subir. Aí se falou de os juros mundiais subirem no ano passado e nós tivemos todo aquele desafio.
Agora, estamos começando o ano com 1 risco global quase que oposto ao de 2018.

O sr. se encontrou com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, quando ele esteve no Brasil por ocasião da posse do presidente Jair Bolsonaro. Bolsonaro disse ter intenção de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. O sr. considera essa uma boa decisão?
Eu como presidente do Banco Central não vou me manifestar em questões políticas. Sei que tem os 2 lados da discussão. É uma discussão interessante, mas eu vou deixar para os representantes de políticas externas se manifestarem sobre isso.

O sr. vai deixar qual conselho para o seu sucessor, Roberto Campos Neto?
Eu acho que ele não precisa de muitos conselhos. É 1 economista muito experiente, eu espero que ele seja o que ele é que vai dar certo.