Nos últimos 15 dias, dezenas de milhares de bielorrussos saíram às ruas para pedir novas eleições e o fim da repressão policial contra manifestantes na Belarus. Protestos chegaram a reunir mais de 100 mil pessoas, no domingo passado (16), em Minsk.

Entenda o que querem os manifestantes e quais os prováveis desfechos.

 

- Quando e por que começaram os conflitos?

No domingo (9) à noite, quando pesquisa oficial apontou mais de 80% dos votos para o ditador Alexandr Lukachenko, no poder há 26 anos.

A margem de liderança foi considerada fraude explícita, e milhares de pessoas saíram às ruas em protesto, reprimido com brutalidade nas três primeiras noites.

Até a manhã de quarta (12), cerca de 7.000 foram presos, centenas ficaram feridos e ao menos 3 morreram (a ONU fala em 4 mortes).

- Foi a primeira eleição fraudada na Belarus?

Não. O único pleito considerado livre e justo foi o primeiro, em 1994, vencido por Lukachenko.

Observadores internacionais viram problemas nas quatro seguintes e, neste ano, não puderam vir ao país.

Observadores independentes internos dizem ter sido impedidos de fiscalizar a votação.

- Quem se manifesta contra o governo?

Eleitores da oposição, mulheres que formaram correntes contra a violência, entidades de direitos civis, artistas, trabalhadores de algumas grandes empresas estatais, alguns ex-militares, policiais e membros da máquina estatal que reunciaram.

Cerca de 300 empresários de tecnologia, importante setor exportador de serviços, ameaçaram deixar a Belarus se os conflitos continuarem.

- O que querem os manifestantes?

O protesto não é unificado, mas há cinco reivindicações básicas e comuns: 1) a saída do ditador Alexander Lukashenko, 2) novas eleições livres coordenadas por um governo de transição, 3) o fim da violência policial, 4) a responsabilização judicial dos responsáveis por abuso de poder e tortura, 5) a libertação de todos os presos políticos

- São os primeiros protestos na história do país?

Houve atos após as eleições de 2010 e 2015, nas grandes cidades, com menor participação e duração. As manifestações que completam 15 dias neste domingo (23) são as maiores e mais longas da história do país.

No último domingo (16), os protestos reuniram ao menos 100 mil em Minsk e mais dezenas de milhares ao longo do país.

- Se os protestos eram pacíficos, por que a polícia interveio?

Manifestações sem autorização do governo são ilegais e sujeitas a multa e detenção na Belarus. A tropa de choque, porém, fez mais que isso. Há relatos de surras, estupros e torturas, inclusive de menores de idade e de bielorrussos que não estavam nos locais de protesto.

- De quem foi a ordem para bater e torturar?

Não está claro se o governo ordenou força máxima, incluindo tortura, ou policiais se excederam por iniciativa própria.

Nesta sexta (21), o ministro do Interior (responsável pela área de segurança), Yuri Karaev, afirmou que não deu ordens "para o tratamento cruel das pessoas, seja nas ruas, nos veículos policais ou nos locais de detenção".

- Ainda há pessoas presas?

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, dos cerca de 7.000 presos ainda há 100 nas cadeias, dos quais 60 foram acusados de crimes graves. Ao menos 8 continuam desaparecidos.

- Os protestos estão aumentando ou refluindo?

Houve alta de eventos e de participação total até o domingo (16). Na última semana, as manifestações se reduziram, mas aconteceram todos os dias em dezenas de cidades, e, nos municípios maiores, em mais de um ponto.

Movimentos grevistas, que vinham crescendo até terça (18), foram reprimidos pela tropa de choque e por ameaças de demissão a partir de quarta. Renúncias de policiais, militares e membros do governo continuam ocorrendo. Empresas de TI, como a Viber, fecharam escritórios no país.

- As manifestações são apenas contra Lukachenko?

Não, há também protestos a favor do ditador, que começaram no dia 16, em Minsk, e na semana seguinte aconteceram em outras cidades. Há apoio espontâneo a Lukachenko mas, diferentemente dos protestos contra ele, grande parte dos participantes a favor são trazidos de ônibus e há relatos de coerção.

- A eleição pode ser anulada?

Dificilmente, já que Lukachenko controla o Legislativo e o Judiciário bielorrussos. A oposição contestou o resultado na Comissão Eleitoral no dia seguinte à votação, mas seu recurso foi negado.

No dia 14, o resultado final oficial deu 80,1% ao ditador e 10,1% à principal candidata da oposição, Svetlana Tikhanovskaia.

Nesta sexta (21), advogados entraram com um pedido de anulação no Supremo Tribunal, em nome de Tikhanovskaia. A ação tem 25 pastas com evidências de violação. A resposta deve sair em até cinco dias.

- Quem é o líder da oposição?

Não há uma liderança única. Svetlana Tikhanovskaia, que assumiu a campanha de seu marido quando ele foi preso, representou uma frente de três candidaturas de oposição e se ofereceu para negociar uma transição pacífica que leve a novas eleições.

- Se Tikhanovskaia se exilou na Lituânia, como pode negociar uma transição?

Um conselho de transição de cerca de 50 pessoas foi criado na Belarus para negociar em seu nome, com a participação de ex-membros de sua campanha e personalidades do país. Entre eles está o ex-ministro da Cultura Pavel Latushka, que serviu como embaixador na Polônia, na França e na Espanha e foi o primeiro membro do alto escalão a entrar claramente na oposição.

Mas o governo não aceitou receber representantes do conselho e abriu um processo criminal contra o grupo de oposição.

- Qual a reação internacional?

A União Europeia declarou não reconhecer o resultado eleitoral e apoiou uma solução negociada pelos próprios bielorrussos. A China cumprimentou Lukachenko pela vitória na noite de domingo.

A Rússia, que também havia reconhecido a vitória, reviu sua posição sobre o resultado eleitoral, colocando-o sobre dúvida na última semana, mas afirmou que não permitiria interferência externa (ou seja, do Ocidente) na Belarus.

- Qual o interesse da Rússia na Belarus?

Há grande interesse geopolítico, pois a Belarus separa a Rússia das tropas da Otan situadas na União Europeia. O país é também zona de passagem de óleo e gás exportados pelos russos para os europeus.

Passam pela Belarus um quinto do gás e um quarto do petróleo comprado da Rússia pelos europeus.

- A Rússia pode intervir contra os manifestantes?

É improvavel, segundo Gustav Gressel, analista sênior do Conselho Europeu de Relações Internacionais (ECFR) especialista em Rússia e em conflitos armados.

Os custos seriam altos principalmente do ponto de vsita institucional. Para ele, a população bielorrussa não vê a Rússia com antipatia, mas o apoio explícito de Putin a um presidente considerado ilegítimo poderia mudar esse quadro.

- Por que a Rússia fez manobras militares nas últimas semanas?

Segundo o analista do ECFR, para mostrar força e intimidar movimentos de intervenção dos países ocidentais e deixar claro à oposição da Belarus que qualquer novo governo terá que se conformar às estratégias geopolíticas russas.

- Putin pode apoiar mudanças na Belarus?

Não deve haver intervenção pró-democracia, mas Putin pode apoiar um desfecho que leve ao poder uma alternativa confiável, diz o ex-embaixador britânico na Belarus Nigel Gould-Davies.

Para o analista Gustav Gressel, no atual cenário é decrescente o interesse russo em apoiar um didator que, pelos seus próprios erros, pode empurrar a população bielorrussa para o Ocidente.

O especialista em Rússia aponta que, nos últimos anos, Putin aceitou ou mesmo promoveu mudanças de liderança em países como na Armênia, em 2018, e em regiões sob sua esfera de controle como a Abcásia, em 2014 e 2020, e a Transnístria, em 2011.

- Que nomes seriam opções aceitáveis para Putin?

O casal Tikhanovski não tem experiência política e é uma incógnita, mas a Rússia mantém contato próximo com candidatos independentes impedidos por Lukachenko de concorrer, como os executivos Valeri Tsepkalo e Viktor Babariko. Ambos compõem a frente de oposição que se uniu na candidatura de Tikhanovskaia.

Maria Kalesnikava, ex-chefe de campanha de Barbariko que integra o conselho de transição, já declarou que quer estabelecer relações de "benefício mútuo" com Moscou.

A fragmentação e ampliação do movimento de revolta dificulta os cálculos políticos de Putin, mas as declarações da União Europeia de que não vão se envolver em questões internas da Belarus pode fortalecer as chances de uma transição, segundo o analista do ECFR.

- Lukachenko pode cumprir o sexto mandato?

Segundo analistas, depende da força e duração dos protestos e greves, da pressão de empresários externos, da defecção de membros do alto escalão do governo e da existência ou não de alternativas a ele que sejam consideradas confiáveis pela Rússia.