Um nebuloso e inédito ataque atribuído a um grupo russo pró-Ucrânia fez o presidente Vladimir Putin cancelar uma viagem e convocar reunião com seu Conselho de Segurança nesta quinta (2), em meio a uma série de ações contra o país que invadiu o vizinho há um ano.

O episódio ocorreu em duas vilas ao lado fronteira ucraniana, Liubechan e Suchani, na região de Briansk (sul russo). Segundo a mídia estatal russa, cerca de 40 soldados invadiram as localidades e atiraram nos residentes, tendo matado ao menos uma pessoa.

Em vídeos postados na internet, combatentes usando a identificação usual da Ucrânia, faixas amarelas nos braços e pernas, fazem declarações ao lado de prédios da administração local e em frente a uma caixa de correio russa. "Comecem um motim! Lutem!", diz um deles.

Eles dizem fazer parte do Corpo de Voluntários Russos, uma unidade de cidadãos russos e ucranianos que, segundo Kiev, lutam contra o Kremlin. Segundo blogueiros militares russos, trata-se de uma unidade treinada pela CIA, agência de inteligência americana. Nada disso é comprovável.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que o país foi vítima de um ataque terrorista e que Putin cancelou uma ida à cidade de Stravopol para acompanhar os desdobramentos da ação. Se confirmada, será a primeira vez que soldados pró-Ucrânia invadiram o território desde o começo da guerra, em 24 de fevereiro de 2022.

Putin discutiu a crise com seu Conselho de Segurança. Em uma fala rápida televisionada, ele chamou os invasores de "terroristas neonazistas" e disse que a "Rússia irá prevalecer". Tal intrusão mudaria o status do embate com Kiev, hoje focado em torno de Bakhmut (Donetsk, leste ucraniano), e por isso mesmo alguns analistas veem com desconfiança o incidente.

Para eles, o Kremlin pode ter armado uma operação de falsa bandeira, quando um país simula um ataque contra si mesmo para iniciar uma guerra, retaliar contra adversários ou escalar uma situação estabelecida —justificando, por exemplo, uma mobilização adiciona à de 320 mil reservistas já feita no fim de 2022.

Não se sabe exatamente como a ação acabou. A agência estatal russa Tass afirmou que o FSB (Serviço Federal de Segurança, na sigla russa) enviou uma equipe para "destruir os nacionalistas ucranianos que violaram a fronteira estatal".

Canais de Telegram associados às forças de segurança russas identificaram dois dos soldados como integrantes de supostos grupos neonazistas ucranianos, mas, por ora, nada disso é passível de verificação.

O governo em Kiev negou relação com o caso. Segundo o assessor presidencial Mikhailo Podoliak disse no Twitter, a Rússia precisa "temer os seus próprios guerrilheiros", insinuando que foram locais que fizeram o ataque.

O incidente se soma a uma onda de ataques com drones em localidades russas na terça (28), dia que registrou também uma ação de hackers que inseriu a mensagem falsa de um ataque com mísseis em rádios e TVs russas.

Na segunda (27), guerrilheiros da oposição em Belarus disseram ter destruído um avião-radar A-50 russo numa base perto de Minsk, mas imagens de satélite e de TV posteriores demonstraram que eles estavam mentindo, comprovando que desinformação não tem uniforme nesta guerra.

Mesmo isso tem nuances, contudo: o grupo que diz ter cometido o ataque, o Bipol, publicou um vídeo nesta quinta mostrando o voo do que parece um pequeno drone doméstico sobre a base, pousando em cima do parto de radar do A-50, embora não haja nenhum sinal de dano ao avião.

Também nesta quinta, um avião de transporte militar pesado Il-76 pegou fogo e foi destruído em sua fábrica em Ulianovsk (centro-sul russo), matando uma pessoa. A fabricante Iliúchin afirmou que o incidente foi acidental, de todo modo.

A confusão tira um pouco o foco da ação em Bakhmut, onde o líder do grupo mercenário russo Wagner, Ievguêni Prigojin, disse ter entrado com suas forças nesta quinta. Ele postou um vídeo de seus soldados em uma área da cidade, que a Ucrânia disse que pode abandonar para evitar mais perdas.

Se cair, Bakhmut pode abrir o caminho para que Putin tente controlar os cerca de 50% que faltam da região de Donetsk, 1 das 4 anexadas ilegalmente em setembro do ano passado.

Em outra delas, Zaporíjia, um ataque com mísseis nesta noite atingiu um prédio residencial na capital homônima, que ainda está sob controle ucraniano. Pelo menos quatro civis morreram, segundo a prefeitura local.

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