Israel anunciou nesta sexta-feira (18) que vai enviar ao menos 1 milhão de doses de vacinas contra a Covid-19 à Autoridade Palestina, como parte de um acordo de troca para impulsionar a campanha de imunização na região. O arranjo prevê que os palestinos devolvam o mesmo número de doses no final deste ano, à medida em que receberem seus próprios lotes de vacinas.

De acordo com um comunicado conjunto do gabinete do primeiro-ministro Naftali Bennett e dos ministérios israelenses da Saúde e da Defesa, o país vai transferir de 1 milhão a 1,4 milhão de doses da vacina fabricada pela Pfizer, cujo prazo de validade deve expirar em breve. O primeiro lote, com 100 mil doses, foi enviado já nesta sexta.

Segundo o anúncio, o envio só é possível porque o estoque de vacinas de Israel é suficiente para atender às necessidades imediatas do país, e os palestinos devem retribuir a entrega em setembro ou outubro.

“O coronavírus não reconhece fronteiras ou diferenças entre os povos”, disse o ministro da Saúde israelense, Nitzan Horowitz, em uma publicação no Twitter. “Este importante movimento de troca de vacinas é do interesse de todos. Espero que este movimento leve a uma maior cooperação entre Israel e nossos vizinhos palestinos em outras áreas.”

A ministra palestina, Mai al-Kaila, confirmou o acordo, mas disse que ele nasceu de uma negociação com a Pfizer. Segundo ela, a Autoridade Palestina deve receber 4 milhões de doses —aos quais está inclusa a quantia que Israel começou a enviar. Durante a negociação, Israel teria exigido que nenhuma das vacinas fosse enviada à Faixa de Gaza, região que atualmente é controlada pelo Hamas, facção radical que Israel considera terrorista e que protagonizou o conflito de 11 dias encerrado pelo acordo de cessar-fogo há um mês.

Ainda de acordo com a ministra, Israel também se opôs à ideia de que o contrato fosse assinado pelo Estado da Palestina —o reconhecimento do território como um Estado é uma das questões centrais nos conflitos entre palestinos e israelenses.

A campanha de vacinação em Israel segue em ritmo acelerado, e 59,49% de sua população recebeu as duas doses do imunizante contra o coronavírus, de acordo com dados do monitor Our World in Data, ligado à Universidade de Oxford.

O país, no entanto, tem recebido críticas e acusações de omissão por falta de esforços para garantir que os palestinos também tenham acesso à proteção —até agora, apenas 4,89% deles estão completamente vacinados. De acordo com o ministério da Saúde palestino, 436 mil pessoas receberam pelo menos uma dose, e 260 mil, as duas. Em Israel, os números absolutos são, respectivamente, 5,49 milhões e 5,15 milhões.

Apesar dos apelos de organizações de direitos humanos, de uma petição apresentada à mais alta instância da Justiça e das recomendações de especialistas para que Israel invista em uma ampla campanha de imunização dos palestinos, as autoridades israelenses alegam que, de acordo com os Acordos de Oslo, os palestinos é que são responsáveis pela vacinação na Cisjordânia.

Para o grupo israelense Physicians for Human Rights, no entanto, o país tem a obrigação moral e legal de garantir a saúde dos habitantes dos territórios sob seu controle. "O fato de que até agora Israel enviou apenas algumas vacinas é uma vergonhosa renúncia de sua responsabilidade."

Segundo a entidade, o acordo, além de tardio, é deficitário. Em uma publicação nas redes sociais, a organização disse que é "altamente duvidoso" que os palestinos consigam utilizar as doses antes do vencimento e pediu que as vacinas também sejam entregues em Gaza, onde o temor de novos conflitos voltou a aparecer após uma troca de ataques entre o Exército e o Hamas.

Até agora, a Autoridade Palestina depende principalmente de doações para imunizar a população. A China doou 100 mil doses aos palestinos. A Rússia, 58 mil. Israel também já doou um lote de 5.000 doses da vacina da Moderna e de 200 doses da Pfizer para profissionais de saúde. O país também vacinou outros 100 mil palestinos que mantêm contato regular com israelenses em seus locais de trabalho.

A Faixa de Gaza, por sua vez, recebeu 50 mil doses do Covax Facility, consórcio global criado para distribuir os imunizantes aos países de renda baixa e média, mais 50 mil doses dos Emirados Árabes Unidos, que retomaram as relações diplomáticas com Israel em um acordo assinado no ano passado, e mil doses da Autoridade Palestina.

Enquanto Israel retirou quase todas as restrições que haviam sido impostas para conter a propagação do coronavírus, a Palestina viveu seu pior momento desde o início da pandemia nos meses de março e abril, quando atingiu picos de mais de 2.800 casos por dia.

Atualmente, a média móvel é de 188 infecções diárias, mas a comparação com Israel considerando os tamanhos das respectivas populações evidencia o contraste entre os cenários epidemiológicos dos dois territórios. A Palestina registrou nesta quinta-feira (17) média móvel de 36,85 novos casos de Covid-19 por milhão de habitantes; o mesmo índice em Israel é 1,93.

Segundo a imprensa israelense, o acordo anunciado nesta sexta, apesar de não ter avançado antes, teria sido idealizado ainda durante o governo do ex-premiê Binyamin Netanyahu. Bibi, como ele é conhecido, deixou o comando do país no último domingo (13) ao ser derrotado por uma coalizão formada por oito partidos, que vão da esquerda radical à direita nacionalista.

Durante seus 12 anos no poder, Netanyahu conseguiu enfraquecer a Autoridade Palestina, de modo que grupos como o Hamas se radicalizaram ainda mais, ao ponto de gerar conflitos como os vistos no mês passado, que deixou centenas de mortos e feridos de ambos os lados.

Nesse cenário, o acordo de trocas de vacinas, embora não represente necessariamente uma mudança completa na política de Israel em relação aos palestinos, dá sinais que o novo governo pode adotar estratégias diferentes para lidar com o acirramento das tensões. Oiu, ao menos, é esse o discurso do novo chanceler israelense e futuro premiê, Yair Lapid.

Ao comentar em suas redes o envio das doses à Autoridade Palestina, ele disse que Israel "continuará a cooperar em benefício das pessoas da região". O acordo fechado pela coalizão governista prevê que, em 2023, Lapid deve se tornar o novo primeiro-ministro , enquanto Bennett deve assumir o ministério do Interior.