O Kremlin e a oposição estão cantando vitória acerca das eleições regionais na Rússia, que ocorreram de sexta (11) a domingo (13).

Os números finais ainda devem demorar alguns dias para serem compilados, mas o mais provável é que ambos os lados estejam certos.

Isso não é exatamente boa notícia para o presidente Vladimir Putin, que vive um momento de especial pressão, nem para seus opositores.

Houve eleições para diversos cargos diferentes em 41 das 85 regiões russas, em níveis municipal, regional e federal. Em 18 regiões, houve disputas diretas para governador, as mais importantes.

O partido Rússia Unida, que dá sustentação ao Kremlin, afirma que manteve o comando em todas elas. Houve as denúncias habituais de fraude aqui e ali, como registra a ONG de observação eleitoral Golos, mas dificilmente o resultado seria diferente.

As estruturas de poder executivo são muito arraigadas no vasto interior russo. Já em disputas legislativas, há maior mobilidade, e apoiadores do opositor Alexei Navalni estão clamando algumas vitórias simbólicas.

A chefe do escritório da ONG de Navalni em Tomsk, cidade onde o blogueiro tomou o chá que presumivelmente continha o veneno Novitchok no dia 20 de agosto, Ksneia Fadeieva, foi eleita para o cargo equivalente a vereadora.

O mesmo aconteceu para o chefe local da ONG em Novosibirsk, Serguei Boiko. A cidade é a terceira mais populosa da Rússia.

O time de Navalni, internado em Berlim, apostou tudo no que chamou de voto inteligente: buscar apoio máximo a postulantes de qualquer partido, desde que não o Rússia Unida.

O fato de serem vitórias pontuais e para cargos secundários mostra o limite da tática. Não é casual que Navalni, por todo o barulho que faz, nunca tenha pontuado acima do traço em pesquisas presidenciais independentes.

Por outro lado, também demonstra que a fossilizada política russa pode ter elementos de dissenso dentro do jogo. E isso ocorre num momento de grande fragilidade relativa de Putin.

Relativa porque, dependendo do ângulo com que se observa o longevo líder russo, ele está no zênite de seu poder. A alteração constitucional que abriu a chance de ele tentar ficar no Kremlin até 2036 consolidou isso.

Por outro lado, o russo enfrenta uma crise múltipla. A queda no consumo mundial de hidrocarbonetos devido à pandemia da Covid-19 fez a receita de exportação de petróleo russo cair 38% de janeiro a julho, em comparação com o mesmo período de 2019. A de gás caiu 51%.

Seu único aliado a oeste, a Belarus, enfrenta um estado de convulsão política desde que o ditador Aleksandr Lukachenko venceu eleições vistas como fraudulentas. Putin tem angariado seu apoio a ele e prometeu intervir em caso de caos nas ruas, mas isso seria um convite a mais críticas internacionais.

Em casa, além das eleições, há protestos diários contra Putin na grande cidade de Khabarovsk, junto à fronteira chinesa, a 6.000 km de Moscou. Lá, a população apoia o governador destituído pelo Kremlin sob acusação de diversos crimes -o mais surpreendente é que eles não parecem ter sido inventados.

Os atos ocorrem desde 11 de julho, com intensidade variável. Até aqui, não houve sinal de repressão, o que sugere um Kremlin confiante em que a insatisfação fique estancada ali, mas também pode mostrar perda de controle.

Para a analista política Ekaterina Zolotova, da consultoria americana Geopolitical Futures, "o sinal mais claro de que algo está errado na Rússia é caso Navalni".

Para ela, ou Moscou teme a oposição nas regiões e mandou envenenar o ativista, que trabalhava para as eleições deste fim de semana, ou algum governo rival o fez para atrair críticas a Putin.

"Em qualquer cenário, Moscou está lidando com uma incerteza que afeta sua habilidade de governar", afirmou Zolotova. A pressão externa, iniciada na Alemanha, chegou nesta segunda (14) à França, outra sócia importante dos russos em projetos energéticos.

Não por acaso, Putin tem usado a pandemia como escudo para evitar o escrutínio público. Não participará da assembleia geral das Nações Unidas, cancelou sua sessão anual de perguntas e respostas com cidadãos e tem deixado o protagonismo de reuniões para seus ministros.

O novo coronavírus deu a Putin uma rara esperança de boa notícia política também, com o avanço gradual da contestada vacina Sputnik V, registrada na Rússia antes dos testes finais -um golpe de marketing que lhe deu o título de primeira do mundo.

Seja como for, resultados promissores e uma fase de ensaios que somou 55 mil voluntários até esta segunda (14) tem garantido a venda e a parceria para produção dela em vários países, inclusive no Brasil.

Com todo esse cenário, contudo, Putin parece precisar mais de uma panaceia do que de uma vacina para ultrapassar 2020 incólume.