O que é preciso para viver? Para a professora Laís de Paula, que abandonou a sala de aula para viver de arte na rua, a resposta é simplesmente mover-se. Laís tem 25 anos e ainda não tinha completado os 24 quando optou por este estilo de vida. “A rua é um espaço público e acredito que deve ser usado de uma forma transformadora”, diz a artista.

Laís faz malabares com bambolês e as apresentações acontecem nas ruas, mais precisamente nos semáforos. Ela considera o que faz como um trabalho, mas não no sentido financeiro. “Não me preocupo com dinheiro”, diz ela, que é artesã e ainda costura as próprias roupas. “Tenho tudo que preciso para viver”. Sua arte pode ser vista em Palmas, onde está desde a última quinta-feira e ainda não sabe por quanto tempo vai permanecer.

A artista morava em Londrina, no Paraná. Formada em Letras, ela era professora numa escolar pública e se decepcionou com o modelo de educação ao qual ensinava, quando decidiu largar tudo por este estilo de vida. “Não queria ensinar algo em que não acreditava. O melhor é fazer a vida que eu quero para mim. Assumir o meu destino”, conta.

Nesta trajetória nômade, Laís já percorreu países como Colômbia, Venezuela e Equador, além de várias cidades brasileiras. Ela hospeda-se em hotéis baratos, mas também já dormiu em barraca montada em posto de gasolina e até já passou a noite em banco de rodoviária. Não viaja em grupo e acredita que a boa intenção da sua escolha atrai boa energia, o que também transmite aos outros. “A mulher pode fazer o que quiser, pode chegar onde quiser”, acredita ela.

Nesta jornada de mais de um ano, considera que ampliou seu olhar à vida, conheceu lugares e não pensa em abandonar sua escolha. “Às vezes as pessoas não entendem o que a gente faz, mas esta é uma forma de expressão”, considera. De Palmas, Laís quer partir para casa, em Francisco Beltrão, no sudoeste do Paraná, para rever a família, com a qual não tem contato há três anos.

 

Experiência

Este estilo de vida foi adotado também pelo descendente de índios argentino Luiz Antônio Galvan, de 45 anos. Há mais de 15 anos, ele vive de arte nas ruas. Faz malabarismo com bolas e outros objetos, além de artesanato. Tem formação técnica e experiência em panificação e é também professor de arte indígena. Teve empregos fixos nas duas áreas, mas preferiu a liberdade e a experiência proporcionada pelas ruas. “Certo dia, decidir sair e viajar. Foi quando não parei mais”, lembra.

Galvan foi casado por 12 anos, mas se separou da esposa, no ano passado. No final deste período, conta que gozava de boa posição social e tinha carro do ano na Patagônia, onde morou no último ano, mas não se adaptou. “Estava integrado à sociedade, mas não era feliz. Hoje sim sou feliz com o que faço”, orgulha-se.

Das vivências com arte nas ruas, o artista diz que percebe o olhar de desaprovação de muitas pessoas, mas com o que não se incomoda. “Não é problema meu, é problema de quem não me aceita”, conta ele, que por outro lado se comove com a solidariedade com a qual é recebido em muitos lugares. De acordo com ele, há cerca de 15 dias não se apresenta regularmente nos semáforos por conta de uma cirurgia de hérnia de disco. “Me deixaram pagar depois as diárias e os hóspedes se ofereceram para pagar as minhas refeições”, conta ele.

Contudo, ele não sabe por quanto tempo vai permanecer na cidade, nem para onde vai quando decidir sair de Palmas. “Quando chego na rodoviária, decido para onde vou com base no quanto posso pagar”, comenta ele, que já viajou pelo Paraguai, Bolívia e Chile. “Não projeto o que vai acontecer na minha vida amanhã.”

 

Escolhas

O jovem colombiano Jhoan Sebastian Peñuela Juyo tem apenas 19 anos, mas há dois vive sem destino certo. Ele faz malabarismo com peças de boliche enquanto se equilibra sobre uma roda. Decidiu sair de casa quando tinha 16 anos e fez sua primeira viagem pelo país de origem. Enfrentou o desagrado do pai, mas o apoio da mãe. Embora escolha a liberdade da arte nas ruas, é romântico e sonha ter muitos filhos, construir um circo e percorrer com eles vários lugares. “Meu destino é nunca parar”, comenta o jovem, que já viajou também pelo Equador e o Peru.

Para Mozart Guida, de 38 anos, viver nas ruas é mais que uma opção. “É como um chamado”, diz ele, que viaja há 15 anos. Carioca, Guida é ator e produtor cultural, e conta que já encenou em mais de 17 peças e fez trabalhos com pelo menos mais 20. Sua opção pela arte nas ruas é fruto também da decepção com a falta de incentivo à arte no País pelas autoridades. “Por isso, somos como anarquistas”, comenta ele.

Guida faz malabarismo com um círculo de metal, o que chama de manipulação do ponto fixo, para atrair a atenção de motoristas e passageiros nos semáforos. Também se pinta de palhaço e faz malabarismo com facas. “A gente não trabalha no semáforo, a gente se apresenta, faz arte. Não pede e não cobra”, diz ele, que ressalta que as pessoas, geralmente, são muito receptivas.

O artista já está em Palmas há dois meses e deve permanecer pelo menos até o aniversário de 25 anos da cidade. “Participei e fui selecionado em um teste para o musical É só uma Poeira no Olho”, conta ele sobre o espetáculo que será apresentado na Capital, no mês de maio. Por enquanto, faz sua arte no semáforo acompanhado da cachorrinha Nina, que adotou no Pará. “É minha amiga.”

 

Origem

Não se sabe onde começou a prática da arte na rua, mas estudos mostram que remete à Grécia antiga, onde cantores, os chamados aedos homéricos, percorriam o País discursando em versos e música, as lendas e tradições populares. Na idade média, surgia a literatura portuguesa, em verso que eram declamados nas ruas, praça e festas com acompanhamento musical, recebendo o nome de cantiga. Os declamadores recebiam o nome de trovadores ou jograis. Já no século XX, foi a vez do jazz nascer nas ruas dos Estados Unidos, através do movimento popular negro, quando trabalhadores se reuniam para cantar e tocar nas ruas, acompanhados de saxofone e clarineta.