A Netflix apresentou uma reclamação no Supremo Tribunal Federal contra a liminar que determina a retirada do ar do especial de Natal do grupo Porta dos Fundos. A liminar foi uma decisão do desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, atendendo um pedido de liminar da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura.

Na reclamação, a Netflix afirma que a decisão de Abicair desrespeita decisões anteriores do Tribunal e é inconstitucional, por impor restrições à liberdade de expressão, de criação e de desenvolvimento artístico. Até às 16h o STF não havia tomado nenhuma decisão sobre o pedido.

A Netflix solicita ao relator do STF que avalie como improcedente o pedido do desembargador. “É um recurso jurídico que pode manter o episódio no ar mesmo com a apresentação dessa liminar”, avalia o advogado Carlos Afonso Souza, do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Caso algum recurso contra a censura chegue ao Supremo, a liminar determinando a retirada do ar do episódio deve ser derrubada pelo presidente da Corte, José Antonio Dias Toffoli, como antecipou o BRPolítico.

Entenda o caso do especial de Natal do Porta dos Fundos

O especial de Natal gerou polêmica e virou pretexto para um atentado contra a sede da produtora do Porta dos Fundos, no Humaitá (zona sul do Rio de Janeiro), na madrugada de 24 de dezembro. Dois coquetéis molotov foram lançados por mascarados contra o prédio. O ataque causou um incêndio que foi controlado antes de causar danos significativos. Um acusado do ataque — Eduardo Fauzi Richard Cerquise, de 41 anos — está foragido desde 31 de dezembro. Ele viajou para a Rússia antes de sua prisão ser decretada.

A decisão de tirar o especial do ar foi tomada por Abicair em agravo de instrumento proposto pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, grupo religioso carioca. A entidade alega que o programa de humor ofendeu a honra de milhões de católicos e pede, além da suspensão da veiculação, indenização a ser paga pelo Porta dos Fundos e pela Netflix a um fundo. O pagamento equivaleria ao faturamento das duas empresas com o especial, mais R$ 2 milhões — dois centavos por católico no Brasil, afirmam no processo.

Em dezembro, a entidade propôs uma ação civil pública pedindo que o vídeo fosse retirado do ar. Na primeira instância, o pedido foi rejeitado. “Não constatei a ocorrência de qualquer ilícito (...). Também não verifiquei violação aos direitos humanos, incitação ao ódio, à discriminação e ao racismo, sendo que o filme também não viola o direito de liberdade de crença, de forma a justificar a censura pretendida”, escreveu, em 19 de dezembro, a juíza Adriana Jara Moura, da 16ª Vara Cível.

A Associação Dom Bosco recorreu, mas a decisão também foi mantida pelo plantão judiciário. O grupo então ajuizou agravo de instrumento ao Tribunal de Justiça, distribuído à 6ª Câmara Cível. Na decisão emitida nesta quarta-feira, em documento de 40 páginas, o relator Abicair afirma que “nessa fase preliminar não cabe (sic) maiores erudições para embasar qualquer decisão, diante da exiguidade do tempo para se decidir com quem está a razão, mas sim, qual dano de maior potencialidade precisa ser evitado”. 

Segundo ele, a agravada (o grupo Porta dos Fundos) “não foi centrada e comedida ao se manifestar nas redes sociais, pois poderia justificar sua ‘obra’ através de dados técnicos e não agindo com agressividade e deboche”. E conclui afirmando que “me aparenta mais adequado e benéfico não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do agravo, recorrer-se à cautela, para acalmar ânimos, (motivo) pelo que concedo a liminar”.

Sobre o assunto, o Porta dos Fundos divulgou o seguinte comunicado oficial:

“O Porta dos Fundos é contra qualquer ato de censura, violência, ilegalidade, autoritarismo e tudo aquilo que não esperávamos mais ter de repudiar em pleno 2020. Nosso trabalho é fazer humor e, a partir dele, entreter e estimular reflexões.

Para quem não valoriza a liberdade de expressão ou tem apreço por valores que não acreditamos, há outras portas que não a nossa. Seguiremos publicando nossos esquetes todas as segundas, quintas e sábados em nossos canais.

Por fim, acreditamos no Poder Judiciário em manter a defesa histórica da Constituição Brasileira e seguimos com a certeza que as instituições democráticas serão preservadas.”