A pandemia de Covid-19 pesou na vida dos brasileiros, e seus reflexos puderam ser sentidos não só na economia e nas UTIs dos hospitais mas também na balança. Uma pesquisa brasileira avaliou as respostas de 14.249 pessoas e mostrou que 19,7% tiveram ganho de peso de pelo menos 2 kg. Ao mesmo tempo, 15,2% perderam no mínimo essa mesma quantidade num período de seis meses.

Homens, especialmente os jovens e aqueles com excesso de peso, são os que tiveram maior propensão a ganhar ou perder quilos.

A nutricionista e pesquisadora de pós-doutorado Caroline Costa diz que é possível que o metabolismo masculino, com maior facilidade para ganhar e perder peso, seja parte da explicação. Os jovens puxam essa fila também por conta de características metabólicas.

Outro achado é que pessoas com menor escolaridade apresentaram uma tendência a engordar. Uma possível razão para isso é que, enquanto aqueles com mais anos de estudo têm mais acesso à informação e a mais oportunidades de cozinhar em casa e de consumir alimentos frescos, os de menor escolaridade muitas vezes têm de sair para trabalhar na pandemia e não têm essas vantagens.

Além disso, neste último estrato, houve aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, de baixa qualidade nutricional (como salgadinhos, bolachas de pacote e refrigerantes), o que foi descrito num trabalho anterior do grupo.

Fazem parte da iniciativa pesquisadores do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição (Nupens) da USP, em parceria com outras unidades da universidade, e participação de cientistas de UFBA, UFMG, UFRGS, Universidade Federal de Pelotas (UFpel), Unifesp, Fiocruz-RJ e Fiocruz-BA e INCA.

O estudo NutriNet, desenhado para avaliar a relação entre alimentação e doenças crônicas (como obesidade, hipertensão e até mesmo alguns tipos de câncer), teve início em janeiro de 2020, ainda antes da pandemia, e já foi possível comparar as informações fornecidas pelos participantes entre janeiro e março de 2020 com aquelas fornecidas pelo menos seis meses depois, entre setembro e outubro.

O novo artigo foi publicado na forma de pré-print e foi submetido a uma revista especializada.

Um dos que viu vantagem no isolamento foi o estudante de história Lucas Eroico, 27. Ele, que tem 1,80 m, conta que depois de uma cirurgia no joelho chegou a pesar 110 kg. Com a nova rotina, em casa, e curiosamente sem nenhuma atenção especial à questão, perdeu 10 kg.

Quando se deu conta do feito praticamente espontâneo, ele resolveu se organizar de fato para manter e até melhorar esse resultado. “Coloquei o tapetinho no chão e comecei a fazer exercícios. Correr na rua de máscara na rua era desagradável, mas foi bom se mexer um pouco.” A musculação no prédio também entrou para as atividades.

O problema, imagina Lucas, vai ser o regresso à velha vida. Com 1h30 de tempo gasto em deslocamento entre o prédio onde mora, no Ipiranga, e a USP, o prejuízo para as atividades físicas seria grande. “Minha rotina está estabelecida, posso tirar 1h, 1h30 para descer, ir na quadra, correr. Quando voltarmos, vou ver como encaixar.”

Outra pessoa que tirou proveito similar do isolamento foi o presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, 48. Ele, que tem 1,75 m, relata que teve uma trajetória de ganho de peso ao longo dos últimos 20 anos e chegou a pesar 112 kg.

“É difícil conciliar hábitos saudáveis com a rotina de viajar, ver clientes, comparecer a almoços e jantares, dormir mal em hotéis… Nos aeroportos não tem comida saudável, só pão de queijo e salgados”, relata.

Com acompanhamento de médico, nutricionista e personal trainer, e, o mais importante, quatro meses isolado em sua casa de praia, no Rio, foi possível regular a alimentação e começar a dormir cedo. Foram também seis meses sem bebida alcoólica.

O resultado foram 30 kg perdidos e mais de 9.000 curtidas na foto que mostram o antes e o depois no Instagram — a mais popular do advogado de 2020.

“Estou quebrando a cabeça para compatibilizar os hábitos saudáveis com outras demandas. Talvez tente limitar os jantares fora a uma vez por semana. Quero criar uma agenda, uma rotina que não estrague o que conquistei até aqui”, diz Santa Cruz.

Mas nem todos os casos são de perda de peso. Na verdade, em média, os brasileiros avaliados pelo NutriNet ficaram 200 g mais pesados.

O analista de negócios Darcy Mantovani Junior, 54, durante toda a vida brigou com o peso. Há quatro anos teve um infarto e passou por um procedimento de revascularização do coração. Com o susto, mudou radicalmente os hábitos e, de 115 kg, passou a pesar 85 kg. Ele tem 1,70 m de altura.

Mas teve que se mudar de Itu para São Paulo. "E para quem gosta de comer São Paulo é uma perdição”, diz. Engordou paulatinamente 12 kg. Aí chegou a pandemia, e, em três meses, somaram-se mais 8,5 kg.

“Estava sozinho, morrendo de medo de sair de casa,e realmente não fiz nada a respeito. Antes eu caminhava 8 km ou 9 km por dia, e isso caiu a zero. Na solidão e na ansiedade, eu comi", diz. “Teve uma hora em que eu me toquei e me assustei, pensei 'eu não posso ficar gordo'. Comecei a correr atrás do prejuízo. Em outubro entrei numa dieta e passei a ter acompanhamento médico. Tive que pedir ajuda. Também tomei ansiolítico. Agora não é que a ansiedade tenha sumido, mas consegui emagrecer”, conta Darcy.

“Caminho longe da multidão. Para a academia, ainda não tive coragem de ir, mas comecei a fazer pilates duas vezes por semana. Eu, assim como outras pessoas, tenho que entender que muitas dessas mudanças vieram para ficar. Temos que nos adaptar.”

Os participantes da pesquisa NutriNet mais frequentemente são mulheres, jovens, das regiões Sudeste e Sul, mas, conforme cresce o número de voluntários, hoje de cerca de 90 mil, são feitas análises mais robustas e conclusões mais gerais podem ser tiradas. A meta é que esse número chegue a 200 mil.

O cadastro é rápido e a participação se dá pelo próprio portal (nutrinetbrasil.fsp.usp.br), onde, de tempos em tempos, a pessoa responde questões sobre alimentação e saúde. Basta ter 18 anos para participar. O grupo será acompanhado ao longo de dez anos. Em contrapartida, periodicamente os participantes recebem um relatório que analisa o consumo alimentar.

O apoio financeiro veio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, do Ministério da Saúde e da associação civil Umame.