Paulo Martins, professor e escritor

Quem nunca presenciou um vexame no Natal? Festa natalina é ocasião para confraternização, rever familiares, desejar felicidades, paz e amor. Mas também é época de pagar mico, momento propício para acontecer situações constrangedoras.

Seu Rosivaldo, por exemplo, não bebia muito, mas quando bebia um pouquinho se transformava em outra pessoa, e o problema era que essa pessoa bebia demais. Quando ele (ou a outra pessoa) foi passar o Natal na casa da sogra, mesmo sabendo que lá ninguém bebia, resolveu levar sua tequila escondida dentro no porta-malas do carro.

As pessoas na festa não entediam o que tanto Rosivaldo fazia no carro, de tempo em tempo abrindo o porta-malas e saindo de lá sem nada nas mãos. Não suportando mais os olhares questionadores dos parentes, a esposa dele perguntou:

– Foi buscar algo no carro, Valdo? Voltou sem nada.

Rosivaldo já estava pronto para se desculpar, dizer que não era ele, mas sim o outro. Porém, pensou rápido e disse:

– Não... quero dizer, sim. Fui buscar o presente da minha amiga secreta.

– Mas o seu presente já está lá na mesa. Eu vi você chegando com ele e o colocando lá.

– Sim, verdade, o coloquei lá. Mas vou fazer uma brincadeira na hora da revelação, vou dizer pra sua mãe que eu saí foi com o nome dela. No meu bolso tem uma lembrancinha pra sua mãe, peguei lá no carro.

– Tá, entendi essa parte. Mas por que você foi tantas vezes no carro?

– Estava preocupado, olhando se o presente não havia sumido. Acontece de muitos presentes desaparecem em plena festa natalina. Nunca ouviu ninguém dizer isso?

A mulher dele balançou negativamente a cabeça, provavelmente não acreditou naquela história, mas deixou pra lá e a festa continuou.

Noite de Natal, mesa posta: vinho, peru, bacalhau, risoto, legumes assados, frutas decoradas. Ao fundo, ouvia-se tocar: “Feliz Navidad. Feliz Navidad. Feliz Navidad. Próspero año y felicidad.”

O que Rosivaldo não entendia era o porquê de tanto exagero na ceia. Via tudo em dobro: dois vinhos, dois perus, duas travessas com bacalhaus... As cenas a seguir foram de pura alegria. Rosivaldo dançando em cima da mesa após a ceia, descendo rebolando até o chão, as pessoas filmando e se divertindo muito com o que viam.

Depois, os ânimos começaram a esquentar. Rosivaldo discutiu com o Papai Noel, foi logo dizendo que ele era um safado que representava o capitalismo. O Papai Noel, mesmo sóbrio, não deixou por menos, chamou o Rosivaldo de vagabundo, gigolô preguiçoso que vivia a custas da esposa.

Os mais próximos procuraram separar o Rosivaldo e o Papai Noel. Pediram para deixar aquelas pessoalidades para lá. Disseram que era Natal, que a paz, o perdão e o amor deveriam reinar. Porém, o pior estava por vir.

Logo de início, assim que viu o Papai Noel, Rosivaldo não foi com a cara dele. Achou que a voz dele trazia lembranças de alguém que não suportava. Gostou menos ainda do jeitão dele, que já chegou fazendo piadas sem graça, beijando as mulheres, inclusive sua esposa. Depois da ceia então, quando viu o Papai Noel dançando com sua mulher, foi a gota d'água.

Partiu para cima do Papai Noel, xingando ele de velho sem vergonha, tarado. Acusou o bom velhinho de abusador, falou que ele se aproveitava do espírito natalino para se esfregar na mulherada.

Enquanto Rosivaldo rolava no chão, embaraçado com o Papai Noel, que agora revidava e tentava a todo custo acertar a cara do Rosivaldo, a mulher de Rosivaldo em desespero gritava:

– Valdo, Valdo, solta o papai, pelo amor de Deus.