A vida mediana da burguesia paulista oferecia uma vida de confortos, segurança, reconhecimento e respeito familiar, mas faltava algo instigante para preencher o vazio daquela senhora sonhadora. O que levou uma quase cinquentenária mineira, acostumada com a vida paulistana a empreender tamanha aventura?

Quem sabe se nos espaços e vazios geográficos, imensos e distantes, ela não encontrasse seu mundo imaginário e vibrante. A vida de Leonor Carrato clamava por experiências, sonhos e ideais ou era necessário fugir de algo misterioso, assustador, percebível ou não?

Os movimentos estudantis do final da década 60 e a turbulência social e política do País era a chama que sucumbia mentes e corações de jovens que acreditaram na utopia de um Mundo, e, principalmente, um País justo, igualitário e humano.

Era preciso atitude, engajamento, força e luta para mudar o País, assim pensava alguns   brasileiros.  Leonor Carrarto -  à época - opta pela clandestinidade, abandona tudo e aventura-se por outros países, até a escolha (ou missão?) nos vazios do norte Goiano. Surge Maria Lidia.

Quanta ironia.  Quase seis décadas depois, a violência urbana e a angustia de uma vida de medos, traumas e desilusões de uma clandestinidade angustiante, transformaram os sonhos de liberdades em grilhões no isolamento entristecedor da velhice; da perda do companheiro e, absurdamente,  a exploração invisível da sociedade vazia de uma outra juventude que brotou do País que Maria Lídia e os jovens  sonhadores, ao serem derrotados, não impediu de ser mais injusto, menos solidário e ainda mais vazio do que àquele do início dos anos 70.

Quanta perplexidade. Qual o tamanho da ferida na alma de Dona Nô? O que será de Maria Lídia? Seus sonhos e a própria realidade que viveu nos últimos 53 anos?

A vida não é um conto de fadas. A vida é rotina e rotina. Seguida de mais rotina.

Ao tomar conhecimento dessa história, tão instigante e verdadeira, podemos pensar que a sociedade é um codificado sistema de heroísmo ou uma desafiadora criação de sentido?

Leonor ou Maria Lídia, quem foi mais feliz (ou infeliz)? Odair José fazia sucesso ao afirmar “que não existia felicidade e sim momentos felizes”.

Narrativas sobre guerrilheiros, clandestinidade ou heróis de guerras são quase sempre contraponto do imaginário dos comuns. Podemos intuir, pela belíssima reportagem jornalística de Lailton Costa e o trabalho dos policiais civis que atuaram para desvendar parte desse drama real de Dona Nô, que faz sentido o ditado tão velho quanto o mundo, segundo o qual “a liberdade está dentro de nós”

Essa história carrega um sentimento forte de que há algo dentro do coração e da alma de Leonor Carrato (ou Maria Lidia) que ninguém pode tirar dela. Há algo que é apenas propriedade dela: a esperança.

Em tempo de isolamento social, Dona Nô dá sentido a frase de Adélia Prado: “Tem mesmo alguma coisa no mundo que obriga o mundo a esperar”.