Paulo Martins - Professor

 

A poeira subiu, tomou conta de tudo. Terra voou, tombou carros, destruiu a cidade, que tinha levado horas para ser construída. A poeira baixou, os meninos limparam os olhos, e lá estava o Dani, em cima da sua Freestyle, com as duas mãos no guidão. Apertava o freio traseiro, fazia bolas de chiclete, sorria do estrago que tinha feito na cidade de brinquedo. O Dani era presença. Todos os garotos queriam ser o Dani. 

O Dani era o mais descolado da turma. Fumava cigarrinhos de chocolate, mascava   Bubbaloo, usava sandália Rider e tinha uma Caloi Freestyle azul de alumínio. Subia e descia a avenida C11 só de uma roda, dava derrapadas, soltava as mãos. Enquanto isso, os outros meninos subiam em árvores, brincavam de cidades imaginarias e carrinhos de plástico. Todos queriam ser o Dani. 

O Dani despertava inveja. Ele estudava no colégio O Brasileirinho. Os outros meninos da rua estudavam na escola estadual Dona Mariana Rassi. 

O Dani tinha mochila colorida Company, caderno com o Spectreman na capa, estojo com giz de cera, canetinhas coloridas, caixa de lápis com 48 cores e apontador capacete. Os outros levavam o material – caderno, tabuada, lápis e borracha – dentro de um saco plástico de arroz Cristal, que servia de bolsa. 

No Natal e no Dia das Crianças, a mãe do Dani, que gostava de fazer caridade, presenteava os outros meninos com pirulitos pirocópteros, maria mole, bolas dente de leite, sucos em embalagens com formato de carrinhos ou telefone. O Dani ganhava, do pai, Pogobol da Estrela, Banco Imobiliário, War, bicicleta, vídeo game Atari, bonecos Playmobil e Ferrorama. Todos queriam ser o Dani.

Todos os meninos eram apaixonados pela menina da rua de baixo. Ela era linda. A menina da rua de baixo só conversava com o Dani. Ela dava o Caderno de Perguntas dela para ele responder. Enquanto olhava para o Dani, mexia nos cabelos, sorria para ele. O Dani encantava. Todos queriam ser o Dani. 

Na adolescência, o Dani já era dono de uma mobilete e dirigia o Passat Ts vermelho do pai. Também acelerava a Yamaha DT 180, verde, do irmão mais velho. Os outros ficavam em volta do carro, da moto e pediam ao Dani que desse uma voltinha com eles. O Dani sorria, dizia que aquilo era só para profissional. Depois, saía “vazado”. Todos queriam ser o Dani.

Nas férias, os meninos brincavam de rodar pião, de bolinha de gude, de soltar pipa e rolar pneus nas ruas. O Dani viajou com os pais para Santos. Na praia, tomou todas, farreou a noite toda, transou com muitas garotas, amanheceu na areia. Quando voltou para Goiânia, estava bronzeado e tinha uma imensa tatuagem de um dragão nas costas. O Dani podia tudo, todos queriam ser ele.
Quando adolescente, o Dani fez o segundo grau no período noturno, porque dormia até mais tarde, assistia TV e jogava vídeo game. Os outros garotos também estudavam à noite, porque trabalhavam na feira, catavam papel, vendiam picolés e geladinho nas construções. 

O Dani não tinha limites, podia tudo. Mandava bem nos passinhos de funk. Andava com a turma da pesada. Usava tênis Redley, bermuda OP e camiseta K&k – tudo ganhado dos pais, pelo menos era o que ele dizia. Só fumava Carlton ou John Player Special. Todos queriam ser o Dani.

Nas baladas, sem que os pais soubessem, os garotos tomavam vinho Sangue de Boi com Big Boy Cola. O Dani bebia Campari, cheirava loló e sempre estava acompanhado de uma “mina” diferente. O Dani era presença, não tinha limites, podia tudo. 

Quando o Dani se envolveu com drogas mais pesadas, passou a dormir nas ruas e amanheceu assassinado, ninguém mais quis ser o Dani.