Roberval Paulo - Poeta

Gracindino, um homem comum e cidadão do bem. De alta estatura, esguio e curvado, rosto sulcado, de feição avermelhada e clara e cabelos levemente encaracolados e curtos. Vivia às voltas com seus vícios; o famigerado álcool, a boemia e mulheres. Não era de ofender a ninguém, seriamente, mas tinha bastante curto o estopim e não dispensava uma boa troca de murros quando em seus momentos de embriaguez. Se algum mal cometia, era a si mesmo e, consequentemente, à família, que vivia em preocupação constante com a sua boemia.

Alceste, seu irmão mais velho, era o oposto. Não tão esguio quanto Gracindino, mas em mesma estatura e feição. A diferença entre estes irmãos, fisicamente tão parecidos, estava na compostura. Alceste, como todo jovem, teve seus momentos de boemia e bebidas, mas por pouco tempo. Casou-se cedo, convertendo-se ao protestantismo, consagrando-se Pastor rapidamente. Família constituída, sendo a esposa e um casal de filhos e uma vida centrada na oração e no cuidado ministerial com a sua igreja e seus membros, saindo do sério somente quando tinha que se posicionar frente às confusões criadas pelo irmão Gracindino, o que ocorria com certa frequência.

Essas ocorrências, porém, não produzia efeitos negativos à reputação de Alceste, nem tão pouco, pasmem, à de Gracindino, pois todos muito bem os conheciam. De família íntegra, defensora dos bons costumes e de imutável conduta, logo que passada a situação vexatória e reparados os erros, todos reconheciam a estampa meritória do Pastor e pai de família Alceste e de mesmo modo, a do cidadão e homem de bem Gracindino, somente um boêmio inveterado.

Certa noite, já por volta das 22h00min horas, depois de ter engolido todas em sua comunhão quase que rotineira, Gracindino, despedindo-se dos amigos de confraria e de cruz, deixa para trás o bar, trilhando rumo a casa. Ora assoviando, ora cantando, envereda-se por um atalho tencionando encurtar o caminho, afadigado pelo peso dos tantos goles degustados. De súbito, vê-se cercado por cinco elementos em diligência por acerto de contas em homenagem a umas tapas desfraldadas por Gracindino há uns dias atrás em um dos tais. Gracindino vê-se em desvantagem, mas não arrega, adepto fervoroso da boa troca de murros.

Começam a troca de farpas e a arenga é esboçada em empurrões. Um garoto, passando pelo local, corre a dar notícias do ocorrido ao irmão Alceste que, a esta hora, de paletó e gravata, finalizava a pregação aos fiéis. O garoto adentra a igreja correndo e anuncia que Gracindino está em contenda e em desvantagem, pois são cinco contra um.

Alceste, digerindo a notícia incontinenti, brada seu amém aos fiéis e deixa para trás a Bíblia, saindo avexado ao socorro do irmão. Ao dobrar a esquina, vê Gracindino engalfinhado com a curriola. Cena que passaria em branco ao coração do pastor, mas que fere e atinge em cheio o coração do irmão. Não houve conversa nem ponderação e lá estão Alceste e Gracindino botando pra correr os safardanas à custa de murros e pescoções. O pastor mais uma vez é mais irmão. Gracindino é levado para casa e lá, em quatro paredes, o pastor lhe diz as do fim; ele pode e deve, mas aceitar outro agredi-lo, isso não.

Em outra feita, estava Gracindino em um bordel. Já alto pelo fogo da bebida, saca de uma arma e desfere uns tiros para cima. Foi terrível o rebuliço. Uns se apertam nas portas buscando saída ao mesmo tempo enquanto outros saltam pelas janelas. Nesse salve-se quem puder, ecoam gritos: socorro! Polícia! Gracindino serve mais uma bebida e senta-se, ajeitando em cada perna uma garota, vangloriando-se do feito.

De repente risca no pórtico a viatura e saltam dois policiais dispostos a dar fim ao episódio. Da porta gritam as palavras de ordem: “teje” preso Gracindino. Era o soldado Camelo, acompanhado do parceiro Adnero. Gracindino, lá nos fundos do salão, uma moça em cada perna e de costas para a porta, permanece imóvel. A voz soa novamente, dita pelo soldado Camelo: “teje” preso Gracindino!

Gracindino conhece a voz. Sentado estava, sentado ficou. Sacando da arma presa à cintura, vira o braço imediatamente e vocifera: Oh! Camelo, eu estava mesmo querendo lhe ver; tava doido pra lhe dar um tiro na testa. Simultaneamente à voz, o tiro é disparado e acerta o umbral da porta. Camelo e Adnero pegos de surpresa afastam-se correndo ao uníssono grito de valha-me Deus, deixando para trás a viatura. Neste ínterim, já avisado por terceiros, Alceste adentra o salão. Surpresa no rosto de todos; não é o local mais adequado para um pastor, mas o irmão está lá e aspira por socorro. Gracindino é conduzido para casa e ouvirá um monte com certeza. Obediente ao irmão, nada replicará e terão descanso por algum período.

Os irmãos mais uma vez são notícia de primeira mão no agudo boca a boca do interior e lá se vai o pastor Alceste se explicar com a cidade, com os fiéis e com os policiais destratados e amigos. Tudo resolvido. A rotina volta ao normal na pacata cidadezinha. A bocas pequenas corre o assunto, todos aguardando a próxima de Gracindino. É quando a cidade de fato se movimenta e todos tem muito que dizer.