Filho do cristalandense Paulo Afonso e da pediatra carolinense radicada no Tocantins, Railma Ribeiro Pereira de Souza, Paulio Celé, 34 anos, venceu o Festival da Canção de Ilhabela, litoral de São Paulo, um dia antes do aniversário da cidade (3 de setembro), com a composição “Escafandrista de Esponjas”, que narra a conquista do município por colonizadores nos anos 1500. Você pode conferir a composição no vídeo abaixo.
 
O JTo conversou com o músico, que nasceu no retorno dos pais de São Paulo para o Tocantins, à época ainda Norte de Goiás, morou a infância em Aparecida do Rio Negro, a 70 km da capital e depois Miracema, que deixou aos 16 anos para se mudar para Goiás e depois, no ano seguinte, mergulhar no universo da música no conservatório dramático de Tatuí, o maior da América latina. 
 
A vocação para a música herdou do pai e de toda a musicalidade de parentes que tocam e cantam. “Cedo eu tive a sede de estudar música, com 13 anos eu virei para o meu pai e disse que queria morar em São Paulo para estudar música”. Aos 16 anos, passa um ano em Goiânia antes de se transferir para a capital paulista. 
 
Após trabalhar em navios de cruzeiro, tocando com um grupo musical, e ter tocado com Elza Soares, Danilo Caymmi, Renato Braz, Sérgio Santos, Filó Machado, Mestrinho entre outros, o também professor de violão trocou São Paulo por Ilhabela após 15 anos morando em Sampa. No litoral, Celé busca conexão entre a forte cena musical do lugar com a natureza. Um reencontro, segundo ele, com os pés de manga, jaca, caju e todo o universo da cultura e da vivência tocantina que o inspira a viver e compor.
 
“Por mais que Ilhabela seja longe do Tocantins, aqui também me reconecto com o Tocantins de alguma forma, estou aqui falando com você e vendo da minha casa um pé de manga e um pé de jaca (risos), então eu me reconecto com o meu lugar também”, diz o compositor, por telefone. 
 
A conexão com a nova morada e suas origens é tamanha que ele mergulhou na história local para compor a música vencedora. “Esse lugar aqui foi o lugar que mais matou negro, que mais aportou navio negreiro, violência nessas águas entre piratas, entre colonos, colonos holandeses, colonos franceses, italianos, aquele rolo todo”, lembra. 
 
“Eu chego num lugar em que todos os nomes de praias são indígenas,  pequeá, cambaquara, siriúba, não sei que lá, e não tem um índio na cidade, não tem uma tribo, peraí, tem alguma coisa errada aí”, conta, ao explicar a letra da composição (confira na infografia). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Não apenas a experiência musical dos pais, Celé também se casou com uma maranhense, Cássia Betânia. “A gente se conheceu na mesma rua, nossos avós moravam na mesma rua em Carolina, namoro de adolescente e estamos casados desde 2008”, conta. 
 
Em processo de gravação do primeiro disco, agora suspenso pela pandemia, outro processo que ele considera como de encontrar da identidade e para não continuar mais apenas num lugar tocando com o grupo, o professor Celé acredita que após gravar o disco irá percorrer outros lugares para compartilhar composições próprias. Ele também está compondo músicas sobre o Tocantins e o universo indígena e caboclo de sua terra. 
 
Confira a entrevista, feita por telefone.
 
Celé, o gancho é a composição vencedora, mas eu queria que você falasse dessa sua relação com o Tocantins.
Eu fui criado em Aparecida do Rio Negro e depois com 6, 7 anos eu fui para Miracema e aí fiquei até para vir para São Paulo, com 17 anos, em 2004. A música apareceu bem cedo para mim porque a minha família é toda musical, a parte da família do meu pai é de Cristalândia. E em Cristalândia o povo é muito musical, todo munda da minha família canta, todo mundo toca, tanto da parte de mãe quanto do pai, que é um cara super musical, Paulo Afonso, compositor, já gravou algumas coisas. Meu pai é de Cristalândia e minha mãe de Carolina, são primos e tal. Meu pai morou em 13 anos em São Paulo e no ano em que ele regressavam minha mãe engravidou. Então eu nasci em São Paulo, mas com três meses eu já estava por aí e só saí com 16 anos. Eu sempre falo que sou tocantinense, não falo que nasci em São Paulo. Eu sou comedor de pequi, farinha de puba, bacaba, buriti, chambari, farinha seca. Minha essência é a essência tocantinense, mas quando eu tiver com meus 80 anos, sei lá, vou falar, morei 15 anos em São Paulo, morei 15 anos em Ilhabela, 20 anos no Tocantins.
 
Sua família anda mora no Tocantins, você ainda volta ao Estado?
Meus pais moram em Miracema, minha família toda mora aí. A parte do meu pai mora em Palmas, Cristalândia e Miracema e a parte de minha mãe mora em Carolina (MA). Do Tocantins, aqui temos eu e uma prima, da família de Cristalândia. Hoje eu moro em Ilhabela no Litoral de São Paulo. Morei quase 16 anos em São Paulo, vivi toda a fase de estudo e de trabalho em São Paulo e me mudei pra cá há 8 meses. Geralmente uma vez por ano eu vou ao Tocantins, a última vez em setembro (de 2019) eu vou para ficar uns 40 dias, agora esse ano provavelmente eu não vou. 
 
E sua ida para São Paulo, como se deu.
Quando eu fui para São Paulo já foi para estudar música mesmo, seriamente, já tocava, conhecia bastante coisa de música, já tinha aprendido com meu pai, já tinha feito aula e tal, mas aí quando vim para São Paulo entrei no conservatório dramático de Tatui e na faculdade de música Carlos Gomes, onde fiz bacharelado em violão e licenciatura plena em música.
 
Então você teve apoio da família, os seus pais o ajudaram...
Cedo eu tive a sede de estudar música, com 13 anos eu virei para o meu pai e disse que queria morar em São Paulo para estudar música. Meus pais me apoiaram, não foi com todas as coisas possíveis, foi com uma quitinete, o começo é difícil, não tinha nem fogão, mas tinha meu espaço, meu instrumento. Nunca fui de luxo, mas foi assim: se quer seguir música, então vai estudar e aprender e fazer direito. Me deram as condições para fazer isso. Foi fundamental. Com 16 anos eu caí no mundo. Antes de vir para São Paulo eu morei um ano em Goiânia. Estudei num conservatório, na escola de artes goiana, então foi uma ponte para vir para São Paulo. Então foi assim, bora ver se isso é forte e se o cabra aguenta ficar longe de casa. 
 
Quanto tempo estudou em Tatuí?
No conservatório eu fiquei de 2005 até final de 2008. Eu fazia paralelamente com a faculdade eu fiz bacharelado, estudei violão, fiz licenciatura eu fazia paralelamente as duas graduações o conservatório, que é a parte mais prática, mais musical.  E a partir disso as coisas foram desenrolando, conhecendo pessoas, fazendo contatos. De começar a trabalhar, fazer gravações, tocar. 
 
Me fale sobre a sua carreira e o que o levou para Ilhabela.
Em 2008 eu comecei a trabalhar em navios de cruzeiro, tocando com meu grupo. Também já toquei com Elza Soares, Danilo Caymmi, Renato Braz, Sérgio Santos, Filó Machado, Mestrinho entre outros. Eu vim pra cá buscar outros caminhos, me aproximar mais da natureza, que é o que mais tava pegando... a gente que é acostumado a viver no mato, pegando caju no pé, comendo manga de cheiro, essas coisas que chega uma hora que São Paulo não dá mais, né.  Aqui eu busquei essa coisa de ficar mais perto da natureza. E Ilhabela é um lugar muito turístico, ano inteiro vem gente do Brasil e do mundo inteiro e aqui tem uma cena cultural bem forte e para quem vive de trabalho com música é bem legal para trabalhar. Então consegui aqui mais perto da natureza, poder trabalhar com a música. E aí teve o festival da canção, que ganhamos em primeiro lugar, agora tem a semana da arte que vou participar com um programa em homenagem a Hermeto Paschoal, agora tá rolando festival de curta de Ilhabela e vou participar fazendo trilha... ou seja aqui eu tenho essa possibilidade de trabalho aqui e ao mesmo tempo estou ao lado de São Paulo para trabalhar, agora não por conta da pandemia. Agora eu uso muito a internet, estando aqui não me atrapalha em nada trabalhar em qualquer lugar do Brasil. 

E essa composição que venceu o festival, como foi o processo de criação, o que o inspirou?
Eu já tenho um trabalho de composição há algum tempo e desde que vim para cá, com mais tempo, hoje aqui quase não há trânsito, então eu já estava num processo mais intenso de compor música instrumental e canção, que gosto muito, aí apareceu a oportunidade do Festival da Canção, com o tema 'Gente da Ilha Bela' e eu com essa relação toda que estou com a cidade, que estou te falando, de reconexão com as coisas tocantinenses, por mais que Ilhabela seja longe do Tocantins, aqui também me reconecto com o Tocantins de alguma forma, aqui falando com você e vendo da minha casa um pé de manga e um pé de jaca (risos), então eu me reconecto com o meu lugar também. A música saiu desse lugar, eu já estava compondo e pensei, fazer uma música sobre Ilhabela, eu pensei num primeiro momento, cara, o caminho que mais amam é, olha esse lugar tão lindo, tão belo, as pessoas vêm, são felizes, de frente para o mar. Então eu tentei ir para outro caminho. Esse lugar aqui foi o lugar que mais matou negro, que mais aportou navio negreiro, violência nessas águas entre piratas, entre colonos, colonos holandeses, colonos franceses, italianos, aquele rolo todo. Eu acho que é uma das cidades mais antigas do Brasil, 1510 essa cidade. O nome é arquipélago de São Sebastião. São Sebastião que no sincretismo religioso, é oxóssi capitão das matas, defensor da natureza. São Sebastião é um soldado cruel do império romano que matava cruelmente todos aqueles que não acreditavam no Cristo.  Então tem a conexão com esse lugar, de entender a história do povo, eu chego num lugar em que todos os nomes de praias são indígenas, pequeá, cambaquara, siriúba, não sei que lá, e não tem um índio na cidade, não tem uma tribo, peraí, tem alguma coisa errada aí... Então assim foi por esse caminho e eu acho foi isso chamou a atenção.  Sem contar os aspectos brasileiros da composição, da harmonia e da melodia, as minhas referências são Villa-Lobos, Dori Caymmi, Aldir Blanc, Paulo Cesar Pinheiro, Milton Nascimento, essas influências todas misturadas acho que foi que fez ficar legal.