No raciocínio rápido, certeiro e também polêmico do “pernambucano da Paraíba” Ariano Suassuna, o melhor do Brasil é mesmo o brasileiro. Entra e sai onda, nasce e morre a crença em dias melhores, mas a esperança está ali, teimosa como uma mula, a quebrar o retrovisor e mirar lá na frente.

Uma olhadela em tempos de pandemia, quando um vírus não se sabe direito como e de onde veio, dá um tapa no normal, põe quase todo mundo trancafiado em seus mundos e em meio a perdas e angústias, obriga-nos a repensar tudo, a reinventar até mesmo o que nem inventado havia.

E é nesse cenário em que presos em seus casulos lançam mão da modernidade tecnológica, escancaram janelas virtuais pra estancarem saudades, solidões e tristeza que há uma verdadeira overdose de lives.

Live pra ensinar a lavar as mãos, live pra desdizer o desamor, live pra pedir perdão por mancadas, live pra tentar garantir o básico ganha-pão, pra ajudar quem está na pior e até pra distrair e diminuir o peso de toda essa tensão.

Artistas consagrados e outros nem tanto têm feito lives as mais variadas. Algumas disputam atenção nos mesmos horários e dias. Umas são intermináveis, outras sofrem com travas das redes sociais, mas muitas têm cumprido o papel a que se destinam: entreter com qualidade.

Como o brasileiro é mesmo o melhor do Brasil -  não é, “seo” Suassuna? -, no sábado, 12, véspera do temido 13, a live do tocantinense Claudivan Santiago provocou a mobilização, o entusiasmo e a atenção não apenas de seus conterrâneos de Ananás (a pouco mais de 500 km da capital Palmas), mas de gente – conhecida dele ou não – do Brasil afora e até de outros países.

Ousado, o jornalista, escritor, violeiro e cantor Claudivan já havia feito uma live interessante, despertando a curiosidade de quem ainda não conhecia seu talento. Apadrinhado por ninguém menos que Sérgio Reis, seu ex-chefe em Brasília quando cumpriu mandato de deputado federal e ele, o violeiro, era seu assessor parlamentar, Claudivan logo conquistou a simpatia do “Serjão”, com quem chegou a tocar e de quem hoje pode se orgulhar de uma amizade declarada.

Para quem saiu de Ananás, onde deu os primeiros passos na música com o pai, e depois se embrenhar na vida de repórter em Araguaína antes de, pelas mãos do jornalismo chegar a Brasília, onde mais que o centro do Poder, encontrou também arte e ambiente da viola caipira que o laçou de vez como a do virtuose Roberto Correia, gente da linhagem dos mineiros Tião Carreiro e Renato Andrade e dos mato-grossenses Helena Meireles e Almir Sater.

UM VIOLEIRO TOCA

E foi exatamente na obra de Almir Sater que Claudivan garimpou repertório para a live “Um violeiro toca”. Consciente da importância do ídolo, deu até tremedeira depois que marcou a data. Mas se debruçou sobre algumas das composições mais emblemáticas do Almir em exercícios diários.

Antes mesmo do início da live, lá estavam no canal do youtube do artista, parentes, amigos, colegas numa corrente semelhante ao “esquenta” de jogo de Copa do Mundo nos tempos em que nossa Seleção Canarinho metia medo.
 
Quando começa a contagem regressiva logo se percebe o esmero da produção. Cenário bem montado na residência do “amigo Álvaro” em Brasília. Com reforço instrumental de Wanderson Santos (sanfona), Paulo Ramos (baixo) e Anderson Estima (violão), Claudivan começa sua exibição, mostrando seu crescimento musical a olhos (e ouvidos) vistos ao dedilhar uma a uma de suas quatro violas.

Uma espiada nas mensagens, logo se vê uma plateia virtual de peso. Além de Sérgio Reis interagindo, lá estavam também sua esposa, a também cantora Ângela, e o filho músico Marco Bavini. E, olha, como prometera em áudio exibido antes e durante a live, Almir também conferia a performance do ananaense, a exemplo do filho Rodrigo Sater e Renato Teixeira. O maestro Ringo não só acompanhava como manifestava aprovação ao que via e ouvia.

REPERTÓRIO DE CLÁSSICOS

Consagrado como um dos maiores músicos brasileiros, Almir assina – sozinho ou com parceiros mais constantes como Renato Teixeira e Paulo Simões – composições consagradas na sua voz e nas de outros intérpretes.

E Claudivan foi cantando, tocando e arrancando “aplausos virtuais” dos seus e de fãs d´além-mar. Depois da clássica “Cabecinha no ombro (Caminhos me levem)”  (Paulo Borges), ele entoa a linda “Trem do Pantanal” (Geraldo Roca / Paulo Simões) para seguir com “Brasil poeira” (Almir Sater / Renato Teixeira), a primeira que tocou sua viola com o “chefe” Sérgio Reis.

Dava gosto ver e ouvir aquele ex-colega do fazer jornalístico ali encantando a tantos, experts ou não, mas encantando. É muita coragem mesmo tocar pra gente como Almir, Serjão, Renato, Ringo, Bavini...Mas ele estava tranquilo. Mesmo com as naturais desafinações dos instrumentos na frieza de Brasília. Mesmo quando um outro problema técnico surgia.

E tome música boa. E tome Almir Sater. “Comitiva Esperança” (Almir Sater) é de arrepiar e em seguida a música tema da live: “Um violeiro toca” (Almir Sater-Renato Teixeira) “levanta” a “plateia virtual”, que é brindada por “Venha me ver” (Almir Sater-Renato Teixeira), duas instrumentais para voltar a entoar as canções “A flor que a gente assopra” (Renato Teixeira),  “Mês de maio” (Almir Sater-Paulo Simões), “No rastro da lua cheia” (Renato Teixeira-Almir Sater) e “Cavaleiro da lua” (Almir Sater).

Nas mensagens, manifestações de orgulho dos conterrâneos, de admiração de quem curte os sons da viola caipira e de surpresa de quem não conhecia o trabalho de Claudivan e estava ali a convite de alguém ou por curiosidade mesmo.

Uma prosa aqui, um agradecimento ali, a apresentação da família (a esposa Walquíria e os filhos Letícia e Arthure), um abraço pra alguém e mais músicas: “Trem da lata” (Almir Sater-Renato Teixeira), “Quedelepe” (Almir Sater) - instrumental que Almir fez para o documentário "Violeiros do Brasil". Depois de exibir vídeo com Almir saudando Claudivan, o violeiro canta “D de Destino” (Almir Sater-Renato Moreira-Paulo Simões), “Varandas” (Almir Sater-Paulo Simões), “Venha me ver” (Almir Sater-Renato Teixeira) e “A saudade é uma estrada longa” (Almir Sater-Paulo Simões).

Almir não compôs “Chalana” (Arlindo Pinto-Mário Zan), mas sua gravação ganhou mundo e Claudivan a colocou também na live, a exemplo de “Peão” (Almir Sater-Renato Teixeira). Interrompe pra celebrar o aniversário de alguém cantando “Parabéns pra você” (Bertha Celeste Homem de Mello - autora da versão brasileira da canção "Happy Birthday To You") e no último bloco, manda ver com a clássica “Tocando em frente” (Almir Sater-Renato Teixeira), repete o tema do encontro – “Um violeiro toca” (Almir Sater-Renato Teixeira) e dá adeus com “Índios Adeus” (Almir Sater-Renato Teixeira).

Ao final, além das mais de cinco mil visualizações, a live do Claudivan deixou uma sensação boa de quem testemunha parte da vitória de alguém que sai do interior, arregaça as mangas, acredita em seu sonho, vai à luta e colhe os merecidos frutos.

Um violeiro que toca e desperta a crença adormecida de tantos que às vezes só precisam de um empurrão, de um alento e de um clic pra também vencerem suas batalhas. A arte cumprindo seu papel. Desta feita, com Claudivan Santiago e pérolas de Almir Sater, Renato Teixeira, Paulo Simões...

Salve, ananaense!