Um grupo de crianças e jovens que ensaiavam batalha de rima na noite da última terça-feira, 5, foi hostilizado por um policial militar com agressões físicas, verbais e ameaças com uma arma de fogo. O relato é de um dos organizadores do Projeto Unidos por Um Mundo Melhor, que realiza ações sociais e culturais junto à comunidades descentralizadas na Capital.

De acordo com uma das vítimas, que desejou não se identificar, um grupo de quatro meninos entre 12 e 18 anos procuraram a organização do Projeto solicitando uma caixa de som comprada na semana passada com dinheiro arrecadado em rifa para ensaiar a batalha de rima que acontece toda quinta-feira no Ginásio Ayrton Sena, na região Sul de Palmas.

“A gente realiza a batalha do ginásio que acontecem todas as quintas-feiras. É um movimento de expressão da periferia, onde os meninos rimam”, explicou o pessoal da organização do evento.

O filho desse policial, um rapaz de 14 anos, participa do Projeto e chegou lá com o homem, que ficou distante observando o movimento. “O filho dele estava consciente de que ele estava lá e ele estava consciente de que o filho estava participando do ensaio. Até porque a distância não era grande”, frisou uma das vítimas.

Como era por volta das 19 horas, havia famílias passeando, crianças andando de bicicleta e pessoas fazendo caminhada e se exercitando. Como o projeto mobiliza a comunidade, outras pessoas começaram a se aglomerar no local para assistir o ensaio.

O surto

A pessoa que relatou o episódio disse que já percebia a presença do policial de forma suspeita, uma vez que ele observava de forma intimidatória, “tanto que falei pros meninos que estava achando ele estranho. Ele chama o filho dele, saca a arma e começa a ir pra cima de todo mundo. Famílias e crianças começaram a correr e as pessoas que estavam fazendo caminhada ficaram sem entender”, relata.

No vídeo gravado por uma testemunha, o policial aparece com a arma em riste, gritando com um dos jovens que estava ensaiando. “Isso é negócio de vagabundagem, filho da p***! C****! Filho da p***! Bando de vagabundo, incentivando a vagabundagem. Desgraçados! Ensinando ao meu filho coisa errada! Vagabundo! Eu arranco a cabeça de vocês e de qualquer um aqui!”, grita com o jovem e em seguida quebra a caixa de som, jogando no chão e pisando em cima. No vídeo é perceptível a irritação do agente de segurança.

A esposa e o filho do policial também aparecem em uma outra gravação, visivelmente desesperados. A esposa ainda tenta segurar o marido, que não cede.

Em seguida o homem convocou policiais da Operação Tática, denunciando suposto tráfico de drogas por parte dos organizadores do evento. “A tática chegou perguntando do carro preto, e explicamos que não existia. Eu me apresentei como do movimento, quem somos e nosso interesse e relatei o fato. Perguntei o que poderia ser feito, principalmente pela caixa que foi destruída, e o policial falou ‘Ah minha querida, isso daqui é o Brasil, né?! A única coisa que podemos fazer por vocês é um boletim de ocorrência’”, relata uma das pessoas presentes.

“O que foi mais estranho é que foi do nada. Não houve um momento específico em que alguém rimou algo que ele não gostou ou o filho dele rimou algo. Foi totalmente aleatório. Ele realmente surtou”, desabafa ao afirmar que a comunidade orientou o grupo a “deixar isso pra lá, porque ele já teria matado uma criança de sete anos de idade”.

Um boletim de ocorrência foi registrado na Central de Flagrantes da região Sul de Palmas e o caso será investigado pela Polícia Civil.

Expressão Cultural

A vítima que conversou com o Jornal do Tocantins lamentou, também, que os movimentos periféricos só são vistos quando acontece algo dessa magnitude. “Todo movimento que vem da periferia é marginalizado e a gente esquece a importância da expressão. A gente nunca é visto e ninguém nunca quer falar, a não ser quando uma coisa dessas acontece”, desabafou.

Ela disse ainda que essa não é a primeira vez que acontece. “Já aconteceu de o Ginásio ser invadido por policial e todo mundo apanhar e para eles não importa se é mulher, se é homem, se é criança... a gente sempre vai ser usuário de drogas, mesmo não estando com drogas”, continua.

“Na nossa favela somos mais cultura do que o tráfico, que tentam procurar na gente”, afirma e convida: “Na sexta-feira teremos uma roda de conversa com todos os segmentos do movimento hip hop, onde estaremos com o Cedeca e os Direitos Humanos, onde estaremos recitando poesias sobre a questão da resistência e da importância da segurança aos movimentos culturais”.

Polícia Militar

Por meio de nota, a Polícia Militar disse que o policial militar, “de folga e em trajes civis, interviu em situação com o seu filho, cuja participação no evento não estava autorizada pelo pai”.

Disse ainda que informações preliminares sobre o fato já foram repassadas, mas aguarda uma denúncia de “eventuais vítimas, as quais ainda não procuraram a PM”, e que só irá investigar a postura adotada pelo policial após formalizadas denúncias. A investigação será feita pela Polícia Judiciária Militar.

“A Polícia manifesta total apoio às manifestações artístico-culturais, mas destaca a necessidade de se adotarem medidas preliminares legais, a fim de garantir a segurança dos participantes. O comando do 6º Batalhão realizou reunião integrada com a presença dos organizadores do evento informal, Conselho Tutelar e gestão do Ginásio Airton Sena, mas as diretrizes para legalizar a atividade ainda não foram adotadas pela organização. Há relatos e reclamações pelos moradores locais, bem como históricos de consumo ilícito de entorpecentes no local, mesmo sendo área pública e de atividades físicas”, finaliza a nota.