A paralisação do mundo esportivo devido à pandemia do novo coronavírus (covid-19) pausou, também, um 2020 que começou promissor para Igor Fraga. Nascido há 21 anos em Kanazawa, a cerca de 490 quilômetros de Tóquio, e filho de brasileiros que viviam no Japão, ele tinha acabado de ser anunciado pela academia de pilotos da Red Bull, uma das maiores escuderias da Fórmula 1, e iniciava os treinamentos na Fórmula 3, uma das categorias de acesso à F1, pela equipe tcheca Charouz (onde terá como parceiro, na temporada de estreia, o alemão David Schumacher, sobrinho do heptacampeão mundial Michael Schumacher).

Igor estava justamente na República Tcheca quando foi procurado pela Red Bull. “O contato veio diretamente pelo doutor [Helmut] Marko, responsável pelo projeto, e foi uma surpresa muito grande”, afirma o piloto à Agência Brasil. “Eu e meu pai estávamos esperando o carro de aluguel na locadora. Naquele momento, ele disse que queria se reunir conosco, mas não deu muitos detalhes. Fomos nos encontrar com ele e acertamos as coisas no mesmo fim de semana”, completa Igor, que, no início deste ano, também foi campeão da Toyota Racing Series, torneio de verão para jovens corredores realizado na Nova Zelândia.

Com o avanço da pandemia, que adiou o início dos trabalhos na academia austríaca e as primeiras corridas da Fórmula 3, além do iminente fechamento de fronteiras na Europa, Igor voltou a Ipatinga (MG), onde está em isolamento com a família. Sem competir em pistas reais, ele mantém a forma nas pistas virtuais com a ajuda de um cockpit para games instalado em casa. Não é improviso. Os jogos eletrônicos, que o levaram ao automobilismo na infância, ainda o acompanham.

“Quando tinha três anos, meu pai comprou um volante, um Playstation 2 e o jogo Gran Turismo 3 para que tivesse uma base dos controles, como freios, acelerador e volante. Alguns meses depois, ele me colocou no kart de verdade. A partir daí, nos finais de semana, era uma atividade com a família, o que eu amava. Quando retornava para casa, queria que isso fosse prolongado, então ia para os jogos de corrida. O real começou a ficar mais sério primeiro, mas depois o virtual tomou uma proporção muito grande e as coisas foram acontecendo”, declara.

Recentemente, o português António Félix da Costa, piloto da Fórmula E (categoria de veículos elétricos) disse que o automobilismo é “um dos poucos esportes com habilidades transferíveis” nos jogos e na realidade. Igor concorda: “Os simuladores da atualidade são muito próximos do real, tem muitas coisas que se pode extrair e melhorar as habilidades”.

Em 2018, Igor venceu a Copa das Nações de Gran Turismo, campeonato mundial homologado pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA). Na ocasião, correu uma prova virtual “para convidados” ao lado do britânico Lewis Hamilton, heptacampeão de Fórmula 1. No ano passado, ganhou um torneio organizado pela escuderia McLaren com cerca de 300 adversários e que envolveu diferentes jogos de corrida, como Forza Motorsport e Real Racing 3. “Na próxima semana iniciam as classificações para os eventos da World Tour [turnê mundial] do Gran Turismo e estou treinando bastante”, conta.
 

Desafios de concreto

Nas pistas reais, o brasileiro ainda começa a escrever a trajetória. Em 2017, conquistou a Fórmula 3 nacional. No ano passado, ficou em terceiro na Fórmula 3 europeia, atrás do dinamarquês Frederik Vesti e do compatriota Enzo Fittipaldi, neto do campeão mundial Emerson Fittipaldi. Porém, suceder nos autódromos de concreto vai além de habilidade. Em entrevista coletiva antes do último Grande Prêmio do Brasil de F1, em São Paulo, Lewis Hamilton destacou que o custo para iniciação nos esportes a motor é cada vez maior e que, nas condições atuais, ele próprio não teria chegado longe.

“Tive sorte de ter começado no automobilismo japonês, porque, principalmente nas categorias mais baixas, o regulamento é bem restrito em relação aos equipamentos e isso faz com que a competição seja mais equalizada e com o custo infinitamente menor. Com isso pude aprender muito e de forma correta no começo da minha carreira", lembra Igor.

Mesmo assim, a condição financeira mais limitada que os rivais já o obrigou a improvisar para competir em torneios internacionais. Em 2018, durante a USF2000 (um tipo de categoria de base da Fórmula Indy), Igor e o pai precisaram dormir no próprio carro “e tomar banho com lencinho úmido” para economizar antes das corridas. “Ele era meu mecânico e eu o ajudante dele. Nós fazíamos as manutenções e, muitas vezes, não tínhamos dinheiro para alugar hotel. Às vezes, tínhamos que dividir uma porção, porque, se fosse uma para cada, faltaria no final do mês”, recorda o brasileiro, que, após as competições, ficava na casa do compatriota e ex-piloto Roberto Pupo Moreno ou do chefe dos mecânicos.

Sem saber quando voltará às pistas reais, seja pela Fórmula 3 ou pela academia da Red Bull (que já revelou o alemão tetracampeão mundial Sebastian Vettel e o holandês Max Verstappen, um dos principais nomes da F1 na atualidade), ele evita fazer projeções ou lamentar a paralisação. “Claro que o real faz falta, mas sempre tento focar o que posso fazer hoje. No momento, estou me dedicando ao virtual e aos treinamentos físicos. Tenho me esforçado para estar preparado quando as coisas retornarem”, afirma Igor, que também não tem pressa de chegar à Fórmula 1 (o Brasil não tem um titular na maior categoria do automobilismo desde 2018).

“Acredito que vários fatores podem influenciar como as coisas caminharão, mas estou determinado a dar o meu melhor e continuar lutando em busca do meu sonho”, conclui.