Na véspera da prova de resistência feminina no Brasileiro de Ciclismo, o técnico em radiologia Regis Marinho, 46, dava expediente como motorista de aplicativo no aeroporto de Palmas, quando viu uma pessoa com uma caixa enorme ser recusada como passageira, pelo volume da caixa. Acionada pela passageira, topou levar a moça e o volume. “Eu levo, mas a gente vai encolhido dentro do carro, um ford KA”.

A passageira era Aline Fátima Mariga Cavaglieri, 33 anos, de Sorriso (MT), atleta de mountain biker que aterrissava na capital tocantinense para sua primeira prova de ciclismo de estrada sem equipe de apoio.

"Cara você tem de me dar apoio na prova porque eu não tenho equipe não tenho nada. Você vai ter que me dar água", pediu a atleta no trajeto entre o aeroporto e o hotel onde se hospedaria, ao lado do Parque dos Povos Indígenas, na capital. Ela correu sem equipe na estrada porque sua disciplina é mountain bike e por isto viajou sozinha para o Tocantins.

Aline comprou água e isotônico e deu para o motorista levar para casa e colocar no congelador. E cometeu, talvez seu único erro para a disputa: “A prova começa às 9h, então chega um pouco antes”, disse, ainda com o horário anterior da prova, que acabou antecipada de 9 para 8 horas, em razão do forte calor, vento e sol palmenses. “Na terceira volta você já pode me hidratar”, disse.

Regis seguiu no trabalho até tarde. No outro dia cedo, quando acordou viu as ligações da atleta dando ciência da mudança do horário da prova. Já era tarde. 

Ele teve de correr para a prova sem ter ideia de que roupa a ciclista usava nem qual a cor da bike. E nem ela sabia como ele estaria vestido. “Quando eu cheguei já tinha dado a largada. Então eu me posicionei no abastecimento e fiquei pulando e gritando o nome dela, até ela me ver”. 

Depois que a ciclista teve uma queda na corrente e fez uma prova de recuperação até encostar no pelote, Regis teve uma ideia. Natural de Tocantinópolis, extremo norte do Tocantins, ele morou por duas décadas em Goiânia, onde era fundista, correu provas de longa distância por mais de uma década e sabe a importância de hidratar. “Quando a água acabou eu tirei dinheiro do bolso e comprei água de coco e passei para ela, sem avisar sem nada. Foi aí que ea explodiu”, diz entusiasmado. “Quando virou lá e veio sozinha eu grite, é dela, aí foi só emoção”.

A recompensa veio logo em seguida. A atleta ganhou uma bike trail, feminina, avaliada em R$ 3 mil, da marca Cannondale, como prêmio especial de uma loja que patrocinou a prova, e deu de presente para o motorista. Pela prova, a atleta recebeu como prêmio oficial a camisa de campeã brasileira e uma medalha de ouro.

Regis a levou no sábado mesmo à noite, por volta das 22horas para o aeroporto. Aline queria ir mais cedo para garantir o embarque da Trek que lhe deu o título. Ela voltou para o Mato Grosso em voo por volta de 1h da manhã. 

“Ela pegou e me deu a bike. Agora eu quero ver se troco por um modelo masculino. Eu engordei 15 quilos na pandemia e quero usar a bike para voltar a forma. Quem sabe volto até a correr minhas corridinhas depois de tanta emoção”.

Oriunda do mountain bike, a sorrisense por adoção (ela é gaúcha) disputou o brasileiro pela primeira vez e venceu faturou o ouro após uma fuga na última volta. A atual campeã Ana Polegatch ditou o ritmo da prova e o pelotão seguiu compacto até oitava volta, quando os ataques se intensificaram e um grupo de 13 se destacou até a última volta, momento em que Aline, que havia sobrado após uma queda de corrente, havia alcançado o pelotão. Ela atacou sozinha, colocou uma passada forte e se descolou até a linha de chegada, com o tempo total de 3h25min54 para os 113 km.

“Eu estou muito feliz porque sou atleta de mountain bike e é minha primeira prova de speed [gíria para ciclismo de estrada], minha corrente caiu faltando quatro voltas, eu fiz muita força para alcançar as meninas e deu certo”, disse ao JTo. Aline também considera que o clima palmense, semelhante ao de Mato Grosso a favoreceu. “Esse sol, esse vento e essa passada é muito a minha terra, Sorriso, eu vivo isso, então deu tudo certo”, comemorou.

No vídeo abaixo, gravado após a prova, os dois contam como se deu a parceria.