A Apple chegou a uma capitalização de mercado de US$ 2 trilhões (R$ 10,9 trilhões), pouco mais de 24 meses depois de se tornar a primeira empresa de valor trilionário no planeta.

A pioneira do Vale do Silício é a primeira companhia dos Estados Unidos a atingir esse valor nos mercados abertos, e a segunda empresa do mundo a fazê-lo. Suas ações subiram em 1,3% no pregão da manhã em Nova York, e atingiram a cotação de US$ 468,40 (R$ 2.560,23).

A estatal petroleira Saudi Aramco havia chegado a esse marco por um breve período no começo de dezembro, um dia depois de sua oferta pública inicial de ações, mas as ações da companhia fecharam o dia com capitalização total abaixo de US$ 2 trilhões. O desempenho da Aramco no mercado piorou desde a oferta pública inicial, e sua capitalização atual é de US$ 1,8 trilhão (R$ 9,8 trilhões); a Apple a ultrapassou no mês passado.

As ações da fabricante do iPhone subiram em mais de 50% este ano a despeito de diversos desafios de negócios, entre os quais o fechamento do varejo devido ao coronavírus; crescente pressão política por sua dependência da China ,em meio à campanha do governo dos Estados Unidos contra apps chineses como o TikTok e o WeChat; e novas acusações graves de comportamento anticompetitivo.

Na quarta-feira (19), suas ações superaram os US$ 467,77 (R$ 2.089), tornando a Apple a primeira gigante da tecnologia a superar a capitalização de mercado de US$ 2 trilhões e a colocando mais de US$ 300 bilhões acima da segunda maior companhia americana, a Amazon.

O marco de uma capitalização de US$ 1 trilhão (R$ 5,5 trilhões) foi superado inicialmente pela Apple em agosto de 2018, e Neil Campling, analista da Mirabaud Securities aponta que o preço de suas ações dobrou, depois da grande queda de março deste ano, quando o pânico com relação ao coronavírus varreu Wall Street.

“Acrescentar US$ 1 trilhão em valor em quatro ou cinco meses —isso é realmente quase inacreditável”, disse Campling. “Em um período muito curto, as ações da Apple passaram de subvalorizadas para o ágio”.

Que a fabricante do iPhone tenha conseguido registrar receita recorde durante uma pandemia global que causou problemas em sua cadeia de suprimento e limitou seu acesso aos consumidores espantou tanto os investidores quanto os analistas. Ao reportar que as cinco principais categorias de produtos da empresa haviam aumentado sua receita no segundo trimestre, analistas do banco Goldman Sachs disseram aos clientes que “a realidade é que nem nós e nem o consenso das projeções estávamos nem perto da realidade, em termos do avanço possível”.

A Apple também foi apanhada de surpresa. Em fevereiro, quando a Covid-19 estava restrita principalmente à China, a empresa divulgou um alerta quanto aos seus resultados e abandonou as projeções mais recentes que tinha divulgado. A despeito de o vírus em seguida ter se espalhado pelo planeta e da entrada em recessão da economia mundial, as vendas gerais da Apple subiram em 11% no segundo trimestre.

A alta de US$ 1 trilhão no valor de mercado da Apple em apenas 24 meses reflete seu sucesso em avançar além do smartphone. Dois anos atrás, 55% de sua receita no segundo trimestre dependiam do iPhone. De lá para cá, essa proporção caiu para 44%, em um período no qual a receita cresceu em 12%.

No segmento dos produtos vestíveis, a Apple responde por mais de 40% do mercado mundial, com seus relógios e seus fones de ouvido “verdadeiramente sem fio”, de acordo como grupo Canalys de análise do mercado de tecnologia. Sua incursão à oferta de serviços cada vez mais amplos – de garantias a música, filmes e um cartão de crédito —agora gera receita recorrente de 550 milhões de usuários pagantes, o que oferece à empresa um faturamento mais liso e menos dependente do ciclo de atualização do iPhone.

“Eles trabalharam muito bem na ampliação do componente relacionado a serviços em seu negócio”, disse Eric Papesh, estrategista de investimento da corretora T Rowe Price, que detém alguns bilhões de dólares em ações da Apple. “À medida que eles continuam a ampliar sua base de usuários e a promover mais adesão dos consumidores por meio da criação de relacionamentos adicionais, a visibilidade e a estabilidade da receita futura só vai melhorar”.

A despeito do crescimento da divisão de serviços, Campling atribui a disparada mais recente no preço das ações da Apple ao fato de que ela superou suas previsões de vendas de iPhones no mês passado.

“Superar as projeções trimestrais de consenso por US$ 4 bilhões (R$ 21,9 bilhões) em um produto é uma grande façanha”, ele disse. “Eles podem querer que concentremos nossas atenções nos serviços, mas a realidade é que o modelo ainda é comandado pelo iPhone. Isso não é necessariamente uma coisa ruim, se você tem o produto certo”.

O marco dos US$ 2 trilhões servirá como nova confirmação da estratégia e da habilidosa navegação política do presidente-executivo Tim Cook, que sempre foi questionado em termos de sua capacidade de substituir o visionário líder Steve Jobs. Hoje, a Apple está apresentando um desempenho tão bom— em meio a um colapso econômico —que Cook, que recebeu US$ 125 milhões (R$ 683,2 milhões) em remuneração no ano passado, às vezes parece embaraçado por sua sorte.

“Não buscamos a prosperidade a qualquer custo e, especialmente em um momento como este, nosso foco é distribuir as recompensas, garantir que nosso sucesso não seja só nosso, e que tudo que fazemos, criamos ou produzimos tenha por objetivo criar oportunidades para os outros”, ele disse a investidores em 30 de julho.

A divisão de serviços que Cook sempre promoveu teve receita de US$ 13,2 bilhões (R$ 72,2 bilhões) no trimestre passado, e numerosos investidores continuam a antecipar que ela apresente crescimento da ordem dos dois dígitos.

Nick Grous, analista da Ark Invest, disse que se sente otimista com relação à Apple porque ela tem o potencial de aproveitar sua grande base de usuários e se tornar um gigante da tecnologia financeira. De certas formas, isso já é verdade, ele diz, porque a Apple fica com 0,15% do movimento gerado pelo seu sistema de pagamento Apple Pay. O número pode ser baixo, mas o sistema tem mais de 400 milhões de usuários.

“No momento, isso não é um grande gerador de receita, e o que importa é conquistar a confiança dos consumidores”, disse Grous. “No futuro, é possível que exista um produto de empréstimos da Apple”, tendo em vista os dados que a empresa acumula sobre os gastos dos consumidores.

Por mais estelares que sejam os números da companhia, alguns analistas ainda estão preocupados com a distensão nos indicadores de valor. A relação preço/lucro da Apple é de quase 35, a mais alta desde o final de 2007, quando o iPhone original lançou uma onda de crescimento quase sem precedentes.

Papesh, da T Rowe Price, disse que a percepção de Wall Street sobre a Apple se transformou nos últimos anos. Alguns anos atrás, havia céticos que persistiam em prever que o iPhone em breve se tornaria obsoleto, da mesma forma que os celulares da BlackBerry e Nokia se tornaram.

“Tendo em vista os fundamentos subjacentes dos negócios, eu não considero que essa [relação preço/lucro] seja exagerada, disse Papesh, mencionando “o grande volume de capital que está sendo devolvido aos acionistas e o balanço sólido como uma rocha”.

Ainda assim, a Apple gostaria de ver alta ainda maior no preço de suas ações. A companhia recentemente anunciou uma conversão que quadruplicará o número de ações que tem em circulação, o que tornará suas ações mais acessíveis para o público geral quando entrar em vigor, em 31 de janeiro.

“Acreditamos ter a caminho a melhor linha futura de produtos e serviços que já criamos”, disse Luca Maestri, o vice-presidente de finanças da Apple, ao Financial Times, em 30 de julho. “E se conseguirmos concretizar isso, acredito que o preço das ações continuará nesse caminho”.