Usar um motoboy para fazer a entrega de um documento na hora é algo que os brasileiros já se acostumaram a fazer há algum tempo, seja por telefone ou aplicativo. Transportar objetos maiores ou até mesmo pedir um carreto em tempo real para fazer uma mudança, porém, é algo menos corriqueiro. Mas isso pode mudar, se depender dos planos da Lalamove, startup asiática que começou a funcionar no Brasil recentemente. Fundada em 2013, a empresa tem mais de 25 milhões de clientes no mundo. E quer mostrar aos brasileiros por que recebeu, no exterior, o apelido de “Uber da logística”. Além de motos, a empresa também permite que motoristas de vans e caminhões façam entregas por meio de sua plataforma. Uma caixa de 40 centímetros de altura, comprimento e largura, por exemplo, poderá ser entregue por preços a partir de R$ 9; já um carreto capaz de levar cargas de 2 metros de altura e largura e 2,5 metros de comprimento sai por pelo menos R$ 60. Quem precisar da ajuda do motorista para carregar peso pode pagar mais R$ 30.“Queremos conectar ao nosso app os motoristas que já trabalham com transporte de carga”, diz o brasileiro Antonio Chan, diretor de expansão da asiática, em entrevista ao Estado. A asiática é novidade aqui no Brasil, mas já chega com status de “unicórnio” – apelido dado a startups que têm valor de mercado projetado em US$ 1 bilhão ou mais. Para Guilherme Martins, coordenador do curso de Administração do Insper, a Lalamove tem como trunfo resolver um problema do mercado de entregas: o custo de conhecimento da reputação do profissional. "Quem contrata um carreto leva um tempo absurdo para conseguir referências sobre o prestador de serviço e negociar valores”, diz o professor. “Com a Lalamove, a expectativa é que o preço seja tabelado, sem grandes negociações, e com um motorista que já fez vários carretos e tem uma avaliação positiva. Além disso, dá para rastrear todo o trajeto.” Mundo de apostasFundada em 2013 por Shing Chow, um aluno da Universidade Stanford que levantou recursos para criar a empresa jogando pôquer profissionalmente, a Lalamove diz ter cerca de 3 milhões de condutores parceiros ao redor do mundo. O Brasil é o primeiro país da América Latina a receber o serviço. Será seguido em breve pelo México, onde a startup começará a operar até o fim do ano. “Vemos muito potencial na América Latina porque é um mercado muito parecido com o Sudeste Asiático, com cidades que tiveram um crescimento muito acelerado e necessitam hoje de soluções de logística”, diz Chan. Ao chegar ao mercado nacional, a Lalamove vai bater de frente com startups já estabelecidas no segmento, como a Loggi – que está avaliada em mais de US$ 1 bilhão desde julho, quando recebeu um aporte do grupo japonês SoftBank. Fundada pelo francês Fabien Mendez, a brasileira oferece apenas motoboys para os usuários pessoas físicas – entregas com carros e caminhões estão disponíveis apenas para grandes empresas, como Amazon e Mercado Livre. Na visão de Chan, a concorrência não intimida. “Ainda não existe nenhuma empresa no mercado brasileiro que organize de verdade a logística de entregas”, afirma. “Queremos conectar as pessoas que querem transportar coisas importantes com aquelas que podem oferecer esse serviço, de um jeito que economize tempo.”Para se diferenciar dos rivais e atrair parceiros por aqui, a asiática decidiu que não vai cobrar comissão pelas entregas realizadas por motoboys – ou seja, o parceiro receberá o valor total do trabalho. Na visão de Martins, do Insper, a tática vai além de alcançar o consumidor final. “Onde a Lalamove pode mesmo faturar é fazendo parcerias com empresas. Focar nas pessoas comuns funciona para tornar a empresa conhecida.” É uma estratégia arriscada, uma vez que é preciso desembolsar recursos com marketing para tornar o nome da empresa popular. A startup de Hong Kong, porém, tem dinheiro em caixa para gastar: em fevereiro deste ano, a empresa captou uma rodada de US$ 300 milhões, liderada pelo fundo Sequoia (investidor de Nubank e Facebook) para realizar sua expansão global. Inicialmente, a asiática está presente apenas em três cidades: São Paulo, Rio de Janeiro e Niterói. Até o fim do ano que vem, a meta é levar o serviço para todas as capitais brasileiras e realizar as entregas no mesmo dia do pedido. Para isso, a empresa aposta na capilaridade dos parceiros e na tecnologia – seu sistema vai redirecionar os pedidos para os colaboradores que estiverem mais próximos do endereço. “É um modelo descentralizado, que supre a necessidade dos grandes centros: entregar sem prejudicar o trânsito”, afirma Priscila Miguel, coordenadora do Centro de Excelência em Logística da Fundação Getulio Vargas (FGV). “É uma demanda que está em alta nas capitais, devido à ascensão do comércio eletrônico.”Novo territórioPara Priscila, o mercado brasileiro de logística provavelmente vai reagir à chegada da Lalamove. “Um novo modelo de negócio acaba desestabilizando o modelo tradicional que tem contratação mais formal”, diz a professora. “Devem surgir questionamentos regulatórios sobre esse novo serviço.” O Uber enfrenta pressão ao redor do mundo por trabalhar com motoristas sem vínculo trabalhista com a empresa. No Brasil, depois de muita discussão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu em setembro que não há existe esse vínculo entre Uber e colaboradores. Além disso, a Lalamove atuará em um mercado sensível. “É preciso conquistar a confiança dos usuários e garantir que a entrega chegue ao destino correto sem comprometimentos”, ressalta Priscila. “Principalmente no Brasil, onde a questão de roubos e furtos é sempre apontada como um fator de preocupação.” Para o professor do Insper, há outra dificuldade no caminho da Lalamove: a informalidade brasileira. “Lidar com entregas na Paulista é como estar em Manhattan. No entanto, numa viela ou favela, pode ser difícil fazer o veículo de entregas entrar, bem como saber qual é o endereço certo”, diz Martins. “Uma multinacional que não se adaptar a essas jabuticabas pode sofrer bastante.”