O procurador do Trabalho, Paulo Cézar Antun de Carvalho, falou sobre a reforma trabalhista que entrou em vigor ontem e ressaltou que trata-se de um tema bastante polêmico. Ele considera que a reforma pode trazer reflexos diretos e negativos para a economia. “Não obstante todas as opiniões que cercam o tema, algo que parece evidente é a falta de relação entre a precarização dos postos de trabalho e o crescimento econômico do país.”, disse ele.

Na sua opinião, as alterações da Reforma Trabalhista atingem os atuais trabalhadores?

Em tese, não. As alterações legislativas introduzidas pela Lei 13.467/2017 somente terão efeito sobre os novos contratos formais de trabalho. Contudo, pode haver acordos individuais em itens como o parcelamento das férias e a demissão em comum acordo, e sabemos como está difícil sair da fila do desemprego. Com isso, será que teremos uma verdadeira negociação?

Segundo a reforma, em quais casos os contratos podem ser negociados entre empregador e empregado, sem interferência do sindicato?

Com as alterações são vários os casos. Para exemplificar, vou citar alguns: divisão das férias em até três períodos; trabalho intermitente; demissão consensual, que é a extinção do contrato de trabalho por acordo entre empregado e empregador; banco de horas; intervalo intrajornada, para repouso e alimentação; fim da homologação obrigatória para empregado há mais de um ano na empresa; não haverá mais a necessidade de negociação com o sindicato para as demissões em massa.

E no caso dos trabalhadores hipersuficientes, que ganham acima do dobro do teto do INSS, de R$ 11.060, e têm curso superior?

Foi criada essa figura jurídica, os hipersuficientes. São os empregados portadores de diploma de nível superior e que recebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Para estes empregados está prevista a livre estipulação contratual, com eficácia de lei e preponderância sobre os instrumentos coletivos. Poderão ser alterados, por exemplo, sempre observados os limites constitucionais: a jornada de trabalho, intervalo para almoço, enquadramento do grau de insalubridade, prorrogação da jornada em ambientes insalubres, entre outros.

E sobre os processos trabalhistas que já existem e que serão julgados a partir de agora. Obedecem as regras antigas ou as novas?

Obedecem as regras antigas. As ações já existentes serão julgadas com fundamento nas leis existentes antes da reforma trabalhista. Cada fato será julgado segundo a norma existente no momento de sua ocorrência, haja vista já terem sido consumados. Trata-se da seguinte regra: tempus regit actum (expressão em latin que significa: o tempo rege o ato). Basta verificar qual norma era vigente ao tempo do ajuizamento da demanda.

Como o empregado pode parcelar férias, ele fica literalmente nas mão do empregador?

Quanto às férias, é importante registrar que são concedidas por ato do empregador, ou seja, é o empregador quem escolhe o período. Contudo, será necessária a concordância formal do empregado para que seja possível o parcelamento das férias, que poderá se dar em até três períodos. Um dos quais não pode ser inferior a 14 dias corridos e os demais períodos não podem ser inferiores a 5 dias corridos cada um.

Quem pode mudar o horário de almoço para 30 minutos?

Por meio de normas coletivas poderá o intervalo intrajornada, que corresponde ao repouso e alimentação, ser reduzido para o limite mínimo de 30 minutos. Também pode ocorrer por meio de acordo individual, mas somente em relação aos empregados portadores de diploma de nível superior e que recebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Quanto aos demais trabalhadores, será possível por meio de norma coletiva - Acordo ou Convenção Coletiva.

E sobre o trabalho intermitente, valerá para empregados de qualquer empresa?

O trabalho intermitente só não é possível para os aeronautas, que têm legislação própria. No mais, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, poderá ser celebrado o contrato de trabalho intermitente. É preciso fazer um registro: a duração da jornada será móvel e variável. Essa modalidade de trabalho foi combatida com sucesso pelo Ministério Público do Trabalho, em ação civil pública ajuizada em face da empresa Arcos Dourados - maior franquia da marca McDonald’s em todo o mundo -, no ano de 2012.

Como serão remunerados trabalhadores neste regime e quais direitos estão previstos? Ou eles estão descobertos legalmente?

Os trabalhadores neste regime não terão o direito assegurado ao recebimento do salário mínimo legal, vez que receberão de acordo com a quantidade de horas mensais por eles trabalhadas. No caso da Arcos Dourados, por exemplo, verificou-se que alguns trabalhadores chegavam ao cúmulo de trabalharem somente uma ou duas horas por dia e isso nos dias em que eram chamados para trabalhar. É um sistema perverso, modelo absurdo de flexibilização, agora previsto em lei.

Como será a migração do trabalhador em regime tradicional para o novo teletrabalho?

Foi inserido um novo capítulo na CLT para tratar do teletrabalho. Trata-se de uma modalidade de trabalho até então não prevista pela legislação trabalhista. É importante registrar que o teletrabalho não se confunde com o trabalho externo. Será possível a alteração contratual, por meio de simples aditivo, permitindo-se a migração do modelo presencial para o teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre empregado e empregador. Contudo, também poderá ser realizada a alteração contratual por ato unilateral do empregador, garantindo-se prazo mínimo de 15 dias para fazer a transição.

Quem paga equipamentos e custos do teletrabalho ou home office, como energia e internet?

Não há clareza no texto da nova legislação quanto a quem caberão os custos relacionados ao teletrabalho. Na obscuridade da lei deverá haver negociação, mas que ninguém seja ingênuo. Qualquer que seja o acordo individual, deverá ser formalizado por meio de contrato escrito.

A jornada 12/36h já passa a vigorar imediatamente?

Antes da reforma, a jornada 12/36 era admitida por meio de lei ou de negociação coletiva. Com a nova legislação, passa a ser admitida também por meio de acordo individual escrito. Esta nova previsão legal, assim como outras mudanças previstas pela Lei 13.467/2017, entra em confronto com a Constituição, que prevê, como regra, jornada de oito horas, permitindo exceções somente por meio de normas coletivas, mas não individuais. Apesar do evidente conflito, enquanto não for julgada inconstitucional, vigorará imediatamente.

A rescisão amigável também já está valendo ou ainda são necessárias mudanças?

Já está valendo. A nova legislação fala em extinção do contrato por acordo entre empregado e empregador. A experiência demonstra que dificilmente teremos verdadeiro acordo. Registre-se que, nesta modalidade de extinção contratual, o aviso prévio e a multa do FGTS serão pagos à metade, só será permitido o saque de 80% da conta vinculada do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e não haverá direito ao seguro desemprego. Para o empregado, como regra, será um péssimo negócio.

E quanto ao ‘negociado’ vale sobre o ‘legislado’, é para todas as áreas?

Não em todas as áreas. Basicamente, ficaram de fora desse absurdo jurídico os direitos já garantidos na Constituição. O novo artigo - 611 - traz os itens que poderão ser objeto de negociação coletiva e terão prevalência sobre a lei. O novo artigo 611-B indica quais direitos não poderão ser suprimidos ou reduzidos. O trabalhador deve se informar sobre o que pode e o que não pode ser objeto de negociação com prevalência sobre a lei.

O senhor poderia citar alguns exemplos desta nova redação da lei?

Sim. Sobre o Artigo 611 - destaca-se a jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; banco de horas anual e intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas. No 611-B destaca-se normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social; seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e salário mínimo.