A articulação política do governo conseguiu que o relator do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC), se comprometesse a reduzir em R$ 10 bilhões as emendas que estão sob seu controle, mas a medida ainda é considerada insuficiente pela equipe econômica.

Na semana passada, o Congresso aprovou a proposta de Orçamento de 2021 com uma previsão de despesas obrigatórias, como aposentadorias e seguro-desemprego, abaixo do necessário. O buraco nas contas é superior a R$ 30 bilhões.

O ministro Paulo Guedes (Economia) tenta negociar com a ala política do governo e com o Congresso para que emendas parlamentares sejam cortadas e usadas para recompor a verba para os gastos obrigatórios.

Se tiver que realizar um grande contingenciamento, o governo corre o risco de paralisar a máquina pública, interrompendo a prestação de alguns serviços. Por isso, a versão do Orçamento já aprovada é considerada inviável pela equipe econômica.

Numa tentativa de consenso, a pasta de Guedes avalia negociar a composição do corte que ainda falta, no valor de aproximadamente R$ 20 bilhões. Uma parte deverá ser novamente em emendas, sem margem para negociações  -isso pode ser metade, portanto, menos R$ 10 bilhões em emendas parlamentares.

O restante, os outros R$ 10 bilhões, seria reduzido na verba para funcionamento dos ministérios, que englobam gastos com energia elétrica, água, terceirizados e materiais administrativos, além de investimentos em infraestrutura, bolsas de estudo e emissão de passaportes, por exemplo.

Assim, seria possível que a máquina pública funcione no limite mínimo, de R$ 70 bilhões no ano. Segundo o Tesouro Nacional, esse patamar só é viável porque houve ganho de eficiência nos gastos, incluindo o trabalho remoto de servidores. Em anos anteriores, o valor mínimo considerado era de R$ 80 bilhões.

Em encontro nesta quarta (31) entre a equipe econômica, ministros do Planalto e integrantes da cúpula do Congresso pouco se avançou.

Na equipe de Guedes há a tese de que o melhor seria vetar trechos do Orçamento e corrigir em um novo projeto. Para integrantes da Câmara, porém, o ideal seria sancionar logo a proposta e corrigir depois.

O presidente Jair Bolsonaro teme cometer crime de responsabilidade se sancionar a proposta com irregularidades, ainda mais diante da repercussão do impasse na última semana, que levou inclusive a sinalizações do TCU (Tribunal de Contas da União) por cobranças de ajustes no projeto.

Sob pressão, Bittar comunicou ao presidente que, logo após a sanção da proposta orçamentária, vai cancelar R$ 10 bilhões em emendas.

No documento encaminhado a Bolsonaro, o senador não detalha exatamente quais emendas serão canceladas. Segundo Bittar, a escolha será feita pelo Executivo.

As emendas alocadas por decisão do relator foram turbinadas após Bittar cortar R$ 26,5 bilhões da previsão de despesas obrigatórias, como aposentadorias, pensões, seguro-desemprego e abono salarial.

A tesourada abriu espaço no Orçamento para mais obras e projetos de escolha de parlamentares, mas incluídos na proposta com a digital do relator. No ofício, o senador diz que o corte deverá ser feito nas emendas das áreas de infraestrutura, desenvolvimento regional e outros ministérios.

A expansão das emendas de relator foi um acordo político para destravar a votação do Orçamento, que foi aprovado na semana passada, com quase três meses de atraso.

O cancelamento indicado por Bittar será feito nas chamadas emendas de relator (conhecidas tecnicamente como RP9), que direcionam verba a iniciativas de interesse do autor. Segundo Bittar, a decisão foi tomada após reflexões entre lideranças e as presidências da Câmara e do Senado.

A desistência de parte das emendas vai ajudar o governo a direcionar os recursos a despesas obrigatórias, como a Previdência, que estavam com menos verba que o necessário.

O entendimento do parlamentar é que ele só pode fazer o cancelamento com base na própria Lei Orçamentária Anual, que está à espera de ser assinada por Bolsonaro.

Apesar de o Ministério da Economia entender que a sanção do Orçamento da forma como está significaria assinar uma condenação pela Lei de Responsabilidade Fiscal, representantes do Congresso descartam a tese.

Diante da pressão por mais cancelamento de emendas, representantes do Congresso dizem que, ao abrir mão de R$ 10 bilhões dos recursos do relator, o movimento já resolveria o impasse. Eles defendem que não há como ir além porque isso geraria outros buracos no Orçamento, já que o governo teria enviado parâmetros defasados para itens como emendas de bancada.

As emendas de bancada são calculadas com base na Receita Corrente Líquida da União, que, de acordo com representantes de parlamentares, estava abaixo da que deveria ser adotada como correta.

Sem consenso, as negociações devem prosseguir nesta semana e até a proximidade da data-limite para a sanção, por volta do dia 20.

A equipe econômica alerta para o risco de descumprimento do teto de gastos. A norma constitucional impede que as despesas cresçam acima da inflação.

Segundo membros da equipe econômica, para não deixar o teto de gastos estourar, será necessário contingenciar parte das emendas parlamentares, além de reverter o corte nas despesas obrigatórias.

As manobras no Orçamento de 2021 e a ameaça ao teto de gastos criaram um ambiente de revolta dentro do Ministério da Economia. Se a regra de limitação de despesas for quebrada, membros da cúpula da pasta sinalizaram que podem deixar os cargos.

O movimento poderia ser maior do que a debandada no time de Guedes em agosto de 2020 diante da dificuldade de avanço da agenda liberal. Na época, por causa da falta de apoio político, os então secretários especiais Salim Mattar (Desestatização) e Paulo Uebel (Desburocratização) deixaram os cargos ao mesmo tempo.

Ainda surpresos com as recentes trocas feitas por Bolsonaro em ministérios, membros da área econômica ouvidos pela Folha afirmam que, se não houver solução para o impasse do Orçamento, deixando a regra do teto em risco, "teremos vagas disponíveis também no Ministério da Economia".