Cidades com maior quantidade de trabalhadores informais foram as mais afetadas pela pandemia de Covid-19 no Brasil, segundo estudo realizado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em parceria com o IRD (Instituto Francês de Pesquisa e Desenvolvimento).

Para chegar a essa conclusão, o levantamento analisou dados socioeconômicos de todos os 5.570 municípios brasileiros e isolou diferentes indicadores, como pobreza, cor da pele, votos no primeiro turno da eleição presidencial e também o efeito da informalidade no trabalho.

Algumas correlações chamaram a atenção, com destaque para os efeitos do vínculo de emprego.

Os pesquisadores observaram que, para cada 10 pontos percentuais de informais a mais na população, a taxa de contágio aumenta em 29% e a taxa de mortalidade pela doença cresce, em média, 38%.

Isso significa que para cada 1 milhão de habitantes são registrados, em média, um adicional de 3.130 infectados e 88 mortes.

“Os municípios onde os trabalhadores informais são mais numerosos também são os mais afetados, para além do efeito amplificador das taxas de pobreza mais elevadas”, afirma o texto da pesquisa.

“Podemos supor que a falta de seguridade social e a necessidade de se deslocar no exercício de seu trabalho contribuem para essa especificidade daqueles que estão na informalidade.”

Nas várias comparações entre os municípios, destacam-se, por exemplo, Florianópolis (SC) e Boa Vista (RR).

Em Florianópolis, 23% dos trabalhadores são informais. O município, com pouco mais de 500 mil habitantes, tinha 4.697 casos em 11 de agosto. Registrava 938 contaminados e 15 mortes para cada 100 mil habitantes naquele momento.

Boa Vista, por sua vez, é um pouco menor. Tem uma população estimada de 399,2 mil habitantes. Mas quase o dobro de informais que a capital de Santa Catarina: 41% dos trabalhadores. No mesmo 11 de agosto, o município tinha 27.334 casos, sendo 6.847 doentes e 108 mortes por 100 mil habitantes.

A pesquisa identifica a correlação entre trabalho informal e avanço do coronavírus em vários outros exemplos. Curitiba (1,9 milhão de habitantes e 25% de informais) tinha 20.629 casos em 11 de agosto —678 mortes, o equivalente a 35 pessoas a cada grupo de 100 mil habitantes.

Fortaleza (2,7 milhões de habitantes e 36% de informais), na mesma data tinha 44.009 casos — 3.742 mortes, o equivalente a 140 por 100 mil habitantes.

“Nossa conclusão é que o trabalhador informal, além de ter uma renda menor, fica mais exposto aos riscos da Covid-19, pois a natureza da atividade exige contato com o público, locomoção constante e, não raro, convívio com áreas que têm condições sanitárias piores”, disse o pesquisador François Roubaud, um dos autores do estudo.

Segundo o estudo da UFRJ, outros efeitos ainda tiveram conclusões significativas.

O indicador de pobreza, medido pela taxa de beneficiários do auxílio emergencial, também foi considerado como um fator de risco.

Segundo o estudo, um aumento de 10 pontos percentuais no total de pobres em cada cidade leva ao aumento nos óbitos em 73% —ou 167 a mais por milhão de habitante. O total de casos tem um acréscimo de 52%, ou 5.667 novos contaminados.

A pesquisa ainda não foi publicada, nem submetida a revisão por pares. A previsão é que o estudo entre em discussão no Instituto de Economia da UFRJ nesta semana.

Os pesquisadores explicam que, em termos metodológicos, desenvolveram coeficientes a partir de um modelo econométrico que reúne uma grande variedade de indicadores demográficos, habitacionais, econômicos, do mercado de trabalho, de mobilidade e políticos.

“Assim, os efeitos das diferentes variáveis são analisados dentro de um conjunto, a fim de identificar os impactos específicos de cada uma delas, como informalidade ou raça”, diz a pesquisadora Mireille Razafindrakoto.

“Ao analisar as diversas variáveis simultaneamente, nós vamos além das simples constatações de correlações entre elas, duas a duas, o que poderia conduzir a interpretações errôneas.”

François reforça que o efeito informalidade, por exemplo, traz a análise dos impactos puros do emprego informal, que foram estudados individualmente em cada um dos 5.570 municípios do país, e não podem ser confundidos com os resultados de outros indicadores, que também foram obtidos e avaliados no estudo, como raça, classe social e até voto no primeiro turno da última eleição.

A pesquisa também identifica que o auxílio emergencial de R$ 600 teve um efeito mitigador duplo, na medida em que reduziu tanto os riscos associados à informalidade no trabalho, ao evitar que a pessoa saia de casa, quanto o impacto da pobreza, ao elevar a renda de muitas famílias.

Traçando cenários, a constatação é que o número de mortes seria menor nos lugares onde a população informal tivesse conseguido mais apoio governamental.