O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que a ideia de criar uma moeda única entre Brasil e Argentina, tratada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em visita ao país vizinho, poderia se estender a todos os países da América do Sul. Segundo ele, ainda não há prazos para a implementação da moeda única, que poderia servir como uma “trava” a “aventuras socialistas” nos países da região.

“Essa proposta existe desde 2011 e o (ministro) Paulo Guedes demonstrou-se interessado, juntamente com o governo da Argentina, em voltar a estudar a questão”, disse Bolsonaro, após participar de cerimônia de formatura de sargentos da Marinha, no Rio de Janeiro. Questionado se a proposta valeria apenas para Brasil e Argentina, o presidente respondeu: “Uma família começa com duas pessoas. O que ouvi o Paulo Guedes dizer é que gostaria que outros países se preocupassem com isso, quem sabe, fazendo uma moeda única aqui na América do Sul. Essa seria a ideia”, disse.

Ressalvas

Entre os economistas, porém, a ideia é tida como inviável pela situação em que os países se encontram. A avaliação é de que a discussão sobre a criação de uma moeda única agora é prematura e deve ser cogitada apenas quando os problemas econômicos, de ambos os lados, forem suavizados. No caso do Brasil, principalmente a situação fiscal.

“Não acho que seja uma discussão em curto nem médio prazo. Você tem vários desequilíbrios macroeconômicos que precisam ser endereçados tanto no Brasil quanto na Argentina”, diz o economista-chefe do Rabobank Brasil, Mauricio Oreng. Para ele, o Brasil deve, primeiro, resolver a questão fiscal e outros aspectos que facilitam os negócios, como a estrutura regulatória e o aparato burocrático. “É uma discussão prematura”, disse.

Para Marcelo Kfoury, professor de macroeconomia da FGV/EESP, não há nenhum aspecto positivo para o lado brasileiro em ter uma moeda única. “Para a Argentina, tem a vantagem de pegar a credibilidade do Banco Central daqui, de estabilizar o câmbio e diminuir a inflação”, disse.

A economista-chefe e estrategista de câmbio do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte, avalia que a criação de uma moeda única seria preocupante pela diferença que existe entre os dois países, especialmente na questão de fundamentos externos. “Uma das grandes coisas que fazem com que a moeda argentina tenha sofrido uma forte depreciação foi o baixo volume de reservas e uma grande dívida externa. Nós não temos esse problema. Temos um problema fiscal muito grande, mas temos reserva e conta corrente financiável pelo investimento estrangeiro direto”, afirmou.

No caso de uma moeda única, as metas de inflação e as taxas de juros seriam as mesmas para os dois países. “O tripé macroeconômico que a gente tem no Brasil ia ter de ser espelhado para os dois países e, eventualmente, para a América Latina, como acontece com a zona do euro. Teria de ser feito de uma forma bem arrumada.”

Sobre os pré-requisitos para que a união monetária funcione, Marco Antônio de Andrade, economista e professor titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie, diz que são necessários três pilares básicos: estabilidade, credibilidade e previsibilidade. “Os países envolvidos precisam ter consolidado esses três fundamentos. E tanto o Brasil quanto a Argentina, por serem economias emergentes, estão longe disso”, resume.

O economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, acredita que a repercussão criada em cima do assunto é exagerada “Vejo isso (a criação de uma moeda única) como mais uma daquelas frases sem muita reflexão prévia que o presidente Jair Bolsonaro costuma colocar”, diz. Ele acrescenta que, pelo menos nas próximas duas décadas, não consegue vislumbrar um projeto deste gênero saindo do papel. (