Após meses defendendo que a solução para atender aos mais vulneráveis após o fim do auxílio emergencial ficasse dentro do teto de gastos, o Ministério da Economia foi derrotado nas discussões com o Palácio do Planalto e o restante da ala política do governo. O clima na equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) é de preocupação e insatisfação.O presidente Jair Bolsonaro exigiu um valor de R$ 400 para os pagamentos, acima da previsão de R$ 300 do Auxílio Brasil. A estratégia apontada é que os pagamentos sejam feitos parcialmente fora do teto de gastos, confirmam membros da equipe econômica. O gasto fora da regra fiscal deve ficar entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões.A avaliação de técnicos da pasta é que a brecha aberta na regra que limita as despesas do governo pode "abrir a porteira" da irresponsabilidade fiscal, especialmente às vésperas de 2022, quando Bolsonaro deve tentar a reeleição.Apesar do clima de que a pauta de Guedes sofreu um revés, membros da pasta afirmam que o ministro não tem intenção de deixar o cargo. Técnicos afirmam que a decisão do programa social ampliado é, inclusive, uma forma de atender à ala política, que vem pedindo a cabeça do ministro.Nesta terça-feira (19), técnicos passaram a avaliar qual discurso será adotado para sustentar a confiança do mercado na equipe econômica. A ideia é trabalhar com uma estratégia de contenção de danos.Entre as possibilidades, está o argumento de que a solução encontrada para o programa social é a "menos pior", já que membros da ala política chegaram a sugerir que o programa social fosse integralmente bancado com recursos fora do teto.Além disso, a equipe econômica deve bater na tecla de que uma despesa de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões fora do teto é considerada baixa, sem grande dano às contas públicas. Interlocutores de Guedes afirmam que uma prorrogação do auxílio emergencial teria custo mais elevado.Ressaltam também que agentes do mercado chegaram a defender que gastos com precatórios ficassem fora do teto, e em valor maior do que o estimado agora para o programa social.Antes, Guedes rechaçava qualquer estratégia que furasse o teto de gastos quando mencionado o futuro do Bolsa Família. "Sob o teto. Teto, teto", dizia o ministro, que ressaltava que apenas despesas ligadas à pandemia ficassem fora do limite.Ele chegou a apresentar em junho a solução de bancar o Auxílio Brasil no próximo ano por meio do projeto do Imposto de Renda, que geraria respaldo legal por meio da taxação de dividendos. Mas a proposta continua estacionada no Senado e o relator diz que pode demorar anos para apresentar sua proposta, o que alimentou a busca por alternativas.Além da discussão da solução para o Auxílio Brasil, já que o projeto do IR não avança, Bolsonaro exigiu pagamentos maiores do que os R$ 300 previstos. Pressionado, Guedes acabou cedendo por uma solução extrateto. Para integrantes de órgãos de controle, o ministro rasgou sua fantasia.De acordo com técnicos, a maior preocupação é com o destino que o Congresso dará à proposta para autorizar o gasto fora do teto. O texto pode ser alterado durante a tramitação, ampliando gastos fora da regra fiscal. Para eles, se isso ocorrer, a credibilidade do governo no mercado estará liquidada, com efeitos eleitorais e econômicos.O pagamento fora do teto é autorizado pela Constituição apenas em casos de imprevisibilidade e urgência. Prever esse mecanismo sem que o Orçamento de 2022 esteja sequer finalizado é uma manobra ainda cercada de incertezas sobre seu embasamento legal.Os próprios secretários de Guedes afirmavam que a liberação de novos créditos extraordinários dependeria do grau de imprevisibilidade que a pandemia traria de agora em diante. Com a crise sanitária arrefecendo, a vacinação avançando e os serviços reabrindo, a visão era que as mazelas sociais do país precisariam ser enfrentadas por políticas estruturais e permanentes, não extraordinárias.Jeferson Bittencourt, secretário do Tesouro Nacional, expôs essa visão durante entrevista à imprensa em setembro. "É urgente e relevante cuidar do desemprego, mas tem que ser também imprevisível [para autorizar o gasto extraordinário]", afirmou. "Como sociedade, a gente precisa ter serenidade para tentar resolver os problemas estruturais da economia brasileira com soluções estruturais", disse há quase um mês.Bruno Funchal, secretário especial de Tesouro e Orçamento e principal nome abaixo de Guedes no front fiscal, tinha uma visão similar. "Com os números que temos hoje e com a tendência de queda de casos, não tem uma justificativa [para créditos extraordinários no ano que vem]. Mas não conseguimos prever o que vai ocorrer em 2022. Se tiver imprevisibilidade, é um instrumento adequado. Mas hoje eu não vislumbro isso", disse Funchal. "Depende da imprevisibilidade", afirmou o secretário na época.Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado que monitora as contas públicas), criticou nesta terça a ideia dos recursos fora do teto. "Se confirmada, a medida fere a responsabilidade fiscal", afirmou."O gasto social é necessário, sobretudo com a volta da carestia e o desemprego alto, mas a responsabilidade fiscal tem de ser observada. Fica parecendo que o objetivo é gastar sem fazer qualquer compensação e ainda anunciar que o teto estaria preservado. Não estará", disse.O desfecho é apontado agora após uma escalada no grau de fritura de Guedes por membros da ala política, que usaram a revelação da existência de recursos do ministro em paraíso fiscal para pressioná-lo. Chegou a ser mencionado nos últimos dias um possível pedido de demissão do ministro e a substituição dele pelo ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida.Aliados do ministro já afirmavam nos últimos dias que tanta pressão sobre Guedes ocorre como reflexo da dificuldade de articulação política do governo no Senado, onde a pauta do ministro (que contém uma saída para o imbróglio) encontra resistências. De acordo com essa visão, o interesse maior dessa fritura é a liberação de gastos e o estouro do teto.Membros da pasta, no entanto, negam intenção do ministro de deixar o cargo. Além disso, Mansueto também tem afirmado a interlocutores que não houve convite para assumir o posto.