A Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul condenou a gigante das carnes JBS a pagar R$ 20 mil a uma funcionária contaminada pelo coronavírus e reconheceu a doença como ocupacional, ou seja, relacionada à atividade que ela exercia.Para o juiz Rodrigo Trindade de Souza, da vara do trabalho de Frederico Westphalen, a empresa não conseguiu apresentar provas que afastassem a presunção de que a contaminação tenha ocorrido no trabalho.A empresa diz não comentar processos judiciais em andamento."A consequência é de reconhecer nexo causal entre o trabalho e adoecimento, levando à responsabilidade do empregador", afirmou Souza.O nexo causal pode ser explicado como um conjunto de fatores que permitem estabelecer se um acidente ou doença está ligado com a atividade exercida pelo trabalhador.Saber se essa relação existe ou não é importante devido à repercussão sobre direitos trabalhistas e previdenciários do empregado que ficou doente ou sofreu um acidente.Na decisão da última terça (6), Rodrigo de Souza lembra as controvérsias em torno do reconhecimento da Covid-19 como doença do trabalho.Em março, na Medida Provisória 927, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) previa que a contaminação só seria ocupacional quando comprovado o nexo causal, o que foi interpretado como a transferência, aos empregados, da responsabilidade de comprovar essa relação.O STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu a interpretação - meses depois, a MP perdeu a validade sem ter sido convertida em lei.Depois, no início de setembro, o Ministério da Saúde publicou portaria incluindo a Covid-19 na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho. No dia seguinte, pela manhã, em edição extra do "Diário Oficial da União", revogou a medida."A despeito da insegurança jurídica causada", diz o juiz, "a presunção de nexo de causalidade entre a Covid-19 e o ambiente de trabalho, permanece a obrigação de análise em cada caso concreto."Para o professor de direito do trabalho da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), Ricardo Calcini, a decisão do Rio Grande Sul cria um precedente para a interpretação de situações similares. "Pode-se dizer que é uma decisão paradigmática e muito bem fundamentada, com musculatura para criar um precedente na jurisprudência", afirma.Na sentença, o magistrado considerou o histórico de contaminação nos frigoríficos e citou o fato de a mesma unidade -a JBS Aves de Trindade do Sul- ser alvo de ação civil pública apresentada pelo Ministério Público do Trabalho.Segundo Souza, o MPT apontou a necessidade de a empresa reorganizar o setor produtivo para distanciar os trabalhadores e garantir o isolamento de todos que tivessem contato com pessoas contaminadas ou com suspeita de infecção. "Houve grande resistência da empresa, inclusive valendo-se de expedientes processuais pouco comuns", afirma.O juiz diz ainda que apenas alguns dias antes de a empregada do frigorífico apresentar os primeiros sintomas, a JBS "questionava medidas importantes para o combate à disseminação da doença no ambiente de trabalho. Medidas que tinham sido pretendidas administrativamente pelo MPT e que foram, finalmente, deferidas por ordem judicial."A ação trabalhista discutiu apenas a responsabilidade da empresa em relação às condições de saúde da funcionária.A sentença reconhecendo o nexo causal, porém, poderá ser usada por ela administrativamente no INSS, para solicitar que seu benefício previdenciário seja do tipo acidentário, como são chamados os relacionados ao trabalho.Esse enquadramento garante à trabalhadora estabilidade de um ano no emprego e o recolhimento do Fundo de Garantia no período em que ficou afastada. Quando o auxílio-doença é comum, esse depósito é interrompido.O INSS também poderá cobrar a JBS, por meio de uma ação regressiva, os valores que pagou para a trabalhadora afastada.Em nota, a JBS disse reiterar ter adotado protocolos rígidos para o enfrentamento da Covid-19.