Pressionada pelos preços dos combustíveis, a inflação de transportes chegou a 15,29% no acumulado em 12 meses até junho, segundo prévia divulgada nesta sexta (25) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). É a maior variação entre os nove grupos de produtos e serviços que compõem o IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15).O percentual é quase o dobro do verificado na média do indicador, que acumulou alta de 8,13% no mesmo período.O índice oficial de inflação do país é o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), também calculado pelo IBGE. O IPCA-15, pelo fato de ser divulgado antes, sinaliza uma tendência para os preços. Assim, é conhecido como uma prévia do IPCA.O quadro de alta nos preços preocupa porque eleva os custos de operação em setores diversos, uma vez que, ao encarecer as despesas com transporte de mercadorias e passageiros, o aumento nos combustíveis pressiona as margens de lucro de empresas --que podem repassar essas altas para o consumidor final."O avanço de transportes não é desprezível. O forte aumento de um combustível como o óleo diesel, por exemplo, impacta os custos de frete e transporte de passageiros. Existe um efeito indireto nos preços", destaca o economista André Braz, pesquisador do FGV-Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).Dentro de transportes, o etanol foi o subitem que mais subiu no acumulado do IPCA-15: 57,05%. O aumento resulta de uma combinação de fatores. Entre eles, estão a seca que atingiu lavouras de cana-de-açúcar na pandemia e o aumento dos preços do açúcar no mercado internacional, o que favorece a produção de cana para exportação de açúcar, e não para fabricação do combustível.A gasolina, que disparou 45,86%, respondeu pela segunda maior alta dentro de transportes em 12 meses. O óleo diesel veio na sequência, com avanço de 42,55%.Em ambos os casos, a recuperação do preço do petróleo, aliada ao dólar mais alto, explica a elevação dos preços. As variações da commodity e da moeda americana são levadas em conta pela Petrobras na hora de definir os valores da gasolina e do diesel nas refinarias."A alta de combustíveis foi acompanhada pelo aumento do petróleo", frisa o economista Fábio Astrauskas, professor do Insper e presidente da consultoria Siegen. "É um impacto bastante importante, principalmente quando deixa de ser pontual e fica mais duradouro. É um movimento que tende a se espalhar", acrescenta.Além de elevar custos para empresas e consumidores, a inflação de transportes mais alta também pressiona o governo Jair Bolsonaro (sem partido). Grupos de caminhoneiros voltaram a planejar greve em razão do aumento nos custos de fretes. O CNTRC (Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas) agendou paralisação em 25 de julho, mas não há garantia de adesão da categoria ao movimento.Durante a pandemia, a escalada dos preços de combustíveis foi um dos motivos que levou Bolsonaroa anunciar em fevereiro a saída de Roberto Castello Branco, então presidente da Petrobras, da estatal. Ele foi substituído pelo general Joaquim Silva e Luna. À época, a troca provocou turbulência no mercado financeiro, que defende a política de paridade internacional e critica intervenções na companhia.Conforme o IBGE, dentro do grupo de transportes, o subitem com a maior queda nos preços no acumulado em 12 meses foi transporte por aplicativo (-20,77%). Ônibus interestadual (-10,31%) teve a segunda principal baixa em termos percentuais até junho.Astrauskas lembra que serviços como o de transporte por aplicativo foram abalados por restrições a deslocamentos na crise sanitária. Com o impacto na demanda, o repasse da alta de combustíveis para o consumidor ficou mais difícil, conclui o economista. A tendência, segundo ele, é de que os preços sejam recompostos com a recuperação gradual dos negócios."O repasse não ocorreu pela falta de demanda", pontua.Braz entende que, com a perspectiva de retomada da economia global, o preço do petróleo pode ter novas elevações. Entretanto, os avanços, se confirmados, poderiam ser compensados em parte pelo dólar em nível um pouco mais baixo.Nesse sentido, o economista ressalta que o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) iniciou processo de elevação na Selic. Com a alta na taxa básica de juros, há uma tentativa de atração de mais dólares para o Brasil, o que pode reduzir a cotação da moeda americana."Quando o mundo cresce, consome mais petróleo. Uma parte do aumento do petróleo, se houver, seria mitigada pela entrada de dólares no país", frisa Braz.Analistas sublinham que a inflação de modo geral deve ser turbinada nos próximos meses pela alta nos preços da energia elétrica. A projeção é influenciada pela crise hídrica que atinge o país.Durante o verão, não choveu o suficiente para encher reservatórios de importantes usinas hidrelétricas no Sudeste e no Centro-Oeste. A escassez exige o acionamento de térmicas, que custam mais caro e elevam o preço da luz nas residências.Em junho, a energia e a gasolina foram as principais responsáveis pela alta mensal de 0,83% no IPCA-15, conforme o IBGE. O avanço do índice geral em 12 meses (8,13%) está distante do centro (3,75%) e do teto (5,25%) da meta de inflação estimada para o IPCA neste ano."Devemos encerrar o ano com inflação [IPCA] em torno de 7% com a chegada da crise hídrica, que vai impactar o setor de energia", diz Braz.Economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack também chama atenção para os riscos inflacionários. "Essa é uma discussão global. Temos riscos inflacionários não só no cenário doméstico, já que houve aceleração dos preços de commodities e descompasso entre oferta e demanda. A própria atuação do BC [com o aumento na Selic] evidencia isso", afirma Camila.Segundo a economista, enquanto a luz fica mais cara, os preços de combustíveis tendem a registrar alguma acomodação. "Já houve uma elevação muito forte. Pelo menos no curto prazo a gente não enxerga uma alta tão pronunciada de combustíveis", aponta a economista.