Em troca da perda de um benefício que sequer existe na lei trabalhista brasileira, funcionários de Itaipu vão receber uma boa indenização. Entre os favorecidos estão 21 militares, três deles diretores nomeados há menos de dois anos pelo atual diretor-geral de Itaipu, o general Joaquim Silva e Luna, que assumiu o posto na gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Cada um dos seis diretores de Itaipu receberá cerca de R$ 150 mil em indenização, além de 13° e 14° salários. Por seu caráter indenizatório, o pagamento é livre de Imposto de Renda.

A situação resulta de uma decisão tomada em assembleia coletiva na noite desta terça (1º), em que os trabalhadores da usina aceitaram a proposta da diretoria e concordaram em incluir o sábado na contagem de dias usufruídos de férias. A exclusão do sábado era uma vantagem exclusiva aos empregados com pelo menos dez anos de empresa.

Funcionários contratados depois de 2010, incluindo os militares que assumiram os cargos apenas no Governo Bolsonaro, não tinham direito a esse benefício. Mas, com o argumento de que mereciam uma compensação por uma expectativa de perda futura, já que poderiam fazer carreira na usina e completar dez anos de casa, também receberão a indenização, que foi estendida a todos os empregados, sejam fixos ou temporários, contemplando até quem está fora do quadro permanente da empresa.

Dos seis diretores de Itaipu, quatro são militares: o diretor-geral e os diretores de finanças, de administração e de coordenação. Subordinados a eles, outros 17 militares ocupam cargos na direção da empresa. O menor salário é de R$ 23 mil.

Somando as indenizações destinadas aos seis diretores, incluindo militares e civis, o comando de Itaipu receberá cerca de R$ 875 mil.

Assessor do diretor-geral, o coronel Ricardo Bezerra justifica a extensão afirmando que todos os trabalhadores receberão tratamento igual. Segundo ele, não existe conceito de transitoriedade em Itaipu.

"Foi tirada a expectativa de direito futuro. E todos terão indenização", afirma.

Prestes a completar dois anos na empresa, Bezerra afirma que, na gestão petista, alguns nomeados permaneceram por 13 anos na empresa, incorporando benefícios. Nesse período, não houve, no entanto, o pagamento de indenizações a membros da diretoria de Itaipu.

Procurada, a empresa não respondeu até a publicação da reportagem.

Entenda a mudança nas férias de Itaipu Para entender a matemática dessa indenização é preciso voltar um pouco no tempo e conhecer as regras trabalhistas da companhia, que têm características peculiares. Até 2014, funcionários com mais de dez anos de casa calculavam o período de férias considerando apenas os dias de segunda a sábado, excluindo domingos e feriados. Na prática, portanto, os 30 dias de férias eram estendidos.

Naquele ano, o sábado também passou a ser considerado dia não útil, prática adotada no lado paraguaio da usina binacional. Com isso, passaram a ser computados para contagem das férias apenas os dias de segunda a sexta-feira, esticando ainda mais o período de descanso.

Esse método de cálculo não está previsto na legislação trabalhista brasileira, em que a contagem é feita com base em dias corridos (ou seja, sábados, domingos e feriados entram na conta). No entanto, sob argumento de ser uma empresa binacional, Itaipu adota critérios que mesclam regras vigentes dos dois lados da fronteira.

Sob o comando de general Luna, a diretoria-geral de Itaipu apresentou aos sindicatos uma proposta segundo a qual os funcionários abrem mão do direito de descontar os sábados do período de férias, em troca de uma indenização fixa de R$ 11 mil para aqueles com salário inferior a R$ 9 mil mensais. Quem ganha mais de R$ 9 mil receberá o equivalente a 1,8 de seu salário.

Já os novos funcionários não terão direito ao adicional de anuidade (1% a mais por ano trabalhado) nem auxílio regional, pago a quem vive na fronteira. Os trabalhadores também concordaram com a retirada de mais dois benefícios do acordo coletivo para quem ingressar no corpo funcional de Itaipu: auxílio funeral para pais de funcionários e pagamento de um segundo curso superior.

Itaipu tem 1.258 empregados e uma folha de pagamentos com custo anual de US$ 120 milhões (quase R$ 630 milhões), incluindo custos com demissões e 14° salário.

Lista ****  Fim de benefícios O pagamento de indenizações pelo fim de benefícios é uma novidade da atual gestão da hidroelétrica. Ano passado, a diretoria concedeu um bônus equivalente a 2,8 salários também como compensação de possíveis perdas decorrentes de acordo coletivo de trabalho. Luna, por exemplo, recebeu R$ 221 mil.

No governo FHC, a direção de Itaipu tentou conceder indenização para compensar mudança no auxílio funeral. Mas Itaipu foi multada por não recolher contribuição previdenciária.

Segundo o coronel Bezerra, a supressão de benefícios para novos contratados representará uma economia ao longo do tempo. "Estamos olhando para o futuro", afirma.

Bezerra diz ainda que todos os trabalhadores receberão igual tratamento porque não existe transitoriedade no quadro de empregados de Itaipu. "Somos todos transitórios, celetistas", afirmou o coronel, embora exista uma resolução do conselho de administração, de agosto de 2011, específica para ocupantes de quadros transitórios.

Pela resolução, cada diretor tem direito a nomear três assessores. Além de Bezerra, Luna conta, em sua assessoria, com o coronel Jorge Ricardo Aureo Ferreira e a tenente Carina Ferreira de Paula, também sua vizinha.

Amigo de Luna, o general Eduardo Garrido assumiu a superintendência da Fundação Parque Tecnológico de Itaipu. Funcionária de um ministério em Brasília, sua mulher, Adriana Garrido, foi requisitada para ocupar uma função administrativa.

Apesar de a resolução do conselho de administração determinar que os ocupantes de quadros transitórios se submetam a seus diretores diretos, Luna realocou dois desses assessores, sendo um para o serviço de inteligência. O general também requisitou o capitão Arceli Pedroso de Oliveira para seu auxiliar.

Hoje existem 16 ocupantes de cargos transitórios e 10 trabalhadores requisitados em Itaipu. Embora ocupante de cargo transitório, Aureo foi designado como responsável pela análise e revisão dos convênios firmados pela empresa.

Em abril de 2019, Luna determinou a suspensão temporária de todos os repasses referentes a convênios e patrocínios para reavaliação "sob a luz de novas diretrizes emanadas do governo federal". Entre elas, "mais foco na atividade fim de geração de energia elétrica de qualidade com sustentabilidade".

Segundo Bezerra, foram reduzidos gastos com patrocínios. Em 2018, no Governo de Michel Temer, os gastos com patrocínio somavam R$ 27 milhões. Hoje, são R$ 2,8 milhões. Bezerra afirma que, na impossibilidade de redução das tarifas, a segurança hídrica em sua área de influência e a geração de energia sustentável são prioridades da empresa.

Itaipu é geradora de energia consumida no Brasil. Dentro de um acordo com a margem paraguaia da usina, mantém a tarifa congelada desde 2009 (US$ 22,60 kw).